domingo, 12 de julho de 2009

interpessoalmente limítrofe

Alfie, preparei muffins airados com pingos de calda de amora e recheio de chocolate, como você disse amar na infância. Aposto que eles ficaram melhores do que os que a sua avó fazia, se bem que, sua avó é um amor. Aquele dia na casa de campo da sua família ela me contou várias histórias sobre...

E ela insistia. Como conseguiu entrar tão profundamente na minha vida? Duas semanas de transas satisfatórias, alguns almoços convenientes quando minhas noites eram cheias demais para que eu me desse ao trabalho de telefoná-la, uma foto que (por descuido - e desta vez eu envergonho a minha classe de cafajestes) colocou tudo a perder:



Não, eu não me refiro ao dinheiro, ele não teria culpa da doçura exacerbada de Lilly no café da manhã. A minha foto, pequenino lindinho e fofinho, saudável, praticando esportes me transformou no novo... alvo dela.

Enquanto relembrava o episódio catastrófico de um almoço em FAMÍLIA (e ressalto, caro leitor, que Lilly, caso meramente sexual, não é parte da família) em que minha avó contava à ela como eu gostava de muffins, eu tentava despistar as primas que hoje já eram grandinhas e que insistiam em me seduzir.

Ah, perdoe-me pela desatenção, sou Alfie, um cafajeste incurável.

...ahahah como ela é adorável, não é Alfie? Alfie..querido? A l f i e ... A l f i e . . .

QUERIDO?

Alfie..

Lilly, vem cá, precisamos ter uma conversinha.

Sim, temos aqui um diminutivo saindo de minha boca. Contrariamente ao que um homem de verdade diria, com Lilly devo ser delicado nesta parte do diálogo, que logo tornar-se-á um monólogo (dela, evidente) autodestrutivo e..digamos assim, borderline.

Alfie.. eu sei, eu tenho agido como uma louca ultimamente..

Ela balançava a cabeça debochando de si própria e rindo quase que freneticamente, até notar a minha seriedade e voltar ao estado normal.

Eu prometo que vou tomar meus remédios religiosamente e ser uma mulher melhor pra você. Nós vamos ficar bem, eu cuido bem da casa..uma vez e outra, quando alguma agência de chama, eu vou lá, fotografo, e volto logo pra te esperar em casa. Meu amor..

E ela se aproximou, com as mãos pretendendo tocar em meu rosto. Segurei-a. Confesso ter sentido vontade de jogar o cigarro pela janela e tomá-la naquele instante, mas a imagem de minha avó criando expectativas de casamento e filhos me deixou contente com meu cigarro, sem sexo hoje.

Alfie, o que há? Eu estou aqui, suplicando o seu amor, mudando por você, o que tem de errado?

Lilly era perfeita fisicamente. Tinha cabelos loiros com mechas escuras que davam-lhe um ar de perigosa, mas seus olhos amendoados emprestavam inocência - que, cá entre nós, sumia meio à lençóis - . Lembro-me de um passeio que fiz na 6ª série do colegial ao museu de Manhattan, em que vimos esculturas gregas para a prova de história. Eu sempre odiei mitologia, quanto mais história algo tivesse, menos interesse obtinha de mim. Eis que miro uma escultura, em destaque numa sala vazia. Grandiosa e inspiradora, era a Afr..Afre..Afrot..Afrodite. Linda, a mulher mais bonita que eu já vi. Tinha um corpo escultural, perfeito, com curvas e nada a ser alterado. Seus cabelos, descoloridos visto ao gesso, pareciam em movimento, mas bem assentados em seu colo, mostrando, misteriosamente, seus belos seios. Éramos crianças, a professora não queria ninguém andando sozinho, então adiei o meu prazer de vê-la de perto. Alguns minutos depois, deparo-me com Afrodite de perto, tão perto que sentia seu odor imaginário e um sorriso que eu jurei ter captado da escultura de gesso feita há milhares de anos. Quanto mais eu me aproximava, a surpresa: mais a decepção entrava em minha mente e tomava conta de mim: Afrodite tinha rachaduras, era encardida, e não tinha traços tão bem definidos assim.

É como Lilly. Tem um corpo fenomenal, um sorriso e uma desenvoltura que qualquer homem desejaria. Mas possui hábitos detestáveis, doentios. Preciso afastar-me dela, já.

São os muffins?

Não, não são os muffins, eles parecem ótimos. Esta situação está chata, embaraçosa, eu ando me sentindo..

... distante? frio? entediado?

Não sei. Eu acho você marav...

Pode parar por aí. Eu sou bem crescidinha pra saber que quando um homem começa uma frase elogiando a mulher, é porque ele vai terminar o relacionamento.

Relacionamento... sinto arrepios.

Pode ficar tranquilo, eu já não estou mais aqui.

Assim, com estas palavras, ela pegou sua mala (sim, ela tinha levado uma mala com o tempo) e saiu, meio à lágrimas, em um fino e sensual vestido rendado; bege e preto, com um colar de pérolas que salpicavam um ar conservador em seu visual com as pernas de fora. Pude escutar ela descendo as escadas e, como um tornado que devasta kilômetros à fora, o sentimento de alívio tomou conta de mim, e eu traguei mais uma vez.

Táxi.. táxi! Droga!

Chovia.

Táxi...

Pela janela, eu via a rua vazia, alguns carros estacionados sendo contemplados com a chuva pesada e fria do outono. Havia indícios de neve nesta época do ano, mas o aquecimento global tem amenizado o sofrimento matinal de escovar os dentes e lavar o rosto com água fria. O frio de Nova York não entra em casa. Fora dela, você mantém o estilo de quem adora o clima gélido. Dentro dela, uma camiseta de manga comprida fina basta. Lilly, e suas pernas de fora.. fora.. pernas de fora.. pernas, oh pernas.. LILLY!

Apaguei o cigarro e corri desesperadamente, na esperança de encontrá-la acenando em vão para um táxi. Ao passar pela cozinha, a mesa decorada com um prato de cristal irlandês, ganhado pela empresa e surrupiado por mim, com os muffins airados com calda de amora e recheio de chocolate que só minha avó sabia fazer. Pelo visto, a conversa dela com Lilly rendeu bons frutos. Provei um e antes de sentir o gosto, lembrei-me de Lilly na chuva, prestes à sumir da minha vida. Abri a porta, desci as escadas. Sem casaco.

Ela precisa estar lá, ela precisa estar lá, ela prec...CACETE, QUE MUFFIN BOM! Lilly, esteja lá.

No último lance de escadas, saltei e me joguei na porta. Ela abriu para fora e Lilly espantou-se. Lá estava ela: com uma bolsa na mão e uma mala junto aos seus pés, que calçavam delicadas botas terracota de camurça, iguais às que ela usava na primeira vez que tínhamos nos visto. Molhada, já com o vestido colado em seu corpo, sua maquiagem borrada e seus cabelos escorridos na face, me olhou com desprezo, surpresa e...esperança. Sua fisionomia era semelhante à de um cachorro que espera ser perdoado e trazido de volta pra casa.

Lilly.. saia da chuva, vem cá.

Não, eu vou embora!

Mas..

Um táxi parou. Ela abriu a porta, jogou a mala, colocou um pé dentro do veículo, virou para o lado e.. me olhou. Era o que eu precisava! Um olhar! Saltei de meu lugar cômodo embaixo da cobertura do prédio e me molhei um pouco até entrar no táxi com ela. Ainda sentia o gosto da amora em meus lábios e Lilly não parecia contente.

Sai, Alfie!

Vamos conversar, eu me precipitei..suba, vamos! Taxista, pare! Ela vai descer!

Não, não vou, siga para East Village.

Não, pare!

Olha, decidam-se ou desçam os dois!

Pois sim, desceremos.

Peguei Lilly pelo braço e abri a porta. Saí, puxei-a, peguei sua mala e o táxi se foi. Lilly não se esforçou para ficar dentro do táxi, o que, até aqui, não me parece uma surpresa.

Lilly..

Olha aqui, Alfie. Eu nunca mais quero entrar na sua casa, da mesma forma que você nunca mais vai entrar na minha. Não me telefone, não me procure. EU dou as cartas agora.

Ela - discretamente, mas não tanto, de modo que eu pude perceber - sorriu no canto da boca e me olhou furtivamente.

Vamos para um hotel quando eu quiser que nos encontremos. Acabou o noss vínculo emocional: para você, nada mais do que o meu corpo.

Lilly, você realmente tem certeza disto?

Nunca estive tão certa. Anda, chame um táxi, preciso voltar antes que as minhas roupas na mala molhem todas.

Táxi!...Por favor, nos leve para o Milford Plaza.

Seguimos, eu como estava antes; e ela.. ah! caro amigo, ela nunca esteve tão segura de si.

" É difícil acreditar que um homem está a dizer a verdade quando você sabe que mentiria se estivesse no lugar dele"

Henry Mencken

sexta-feira, 3 de julho de 2009

as palavras e as coisas

a expressão se traduz literalmente como 'feia bonita', mas poderia ser mais caridosamente traduzida como 'estranhamente bela'. Jolie Laide representa uma ideia de beleza na qual uma pequena imperfeição realça a aparência de uma mulher e a torna mais interessante de olhar... No fim ela é mais sedutora e cativante do que alguém com uma beleza convencional.

--------------

Pega por um pseudo ato falho? quase.. mas eu ainda quero saber de onde saiu aquele maldito Geraldo! A mente apronta, faz uma armadilha, ela sabe disso e cai como pata! incrível como o princípio do prazer explica as coisas, em suas palavras: "é como alcançar aquele objeto desejado e quando a satisfação deu-se como fogos em noite de ano novo, o interesse se esvai e nasce um novo desejo.. mas por outro objeto".
Te liga guria, estudar Psicanálise é uma auto análise sem custo monetário. Não, minto. Os livros da Roudinesco e a coleção do Lacan me custaram caro.
Vê só se ela vai conseguir se aventurar deste jeito justo com quem ela não pode! Parece que tem gente que não pensa, ou que pensa tanto que se afoga.. aí depois quer ser salva, bufando pelos cantos e tomado cuidado pra não ser reconhecida.


"A palavra ainda está desprovida de uma eficácia própria, desta
vez porque é apenas o signo exterior de um reconhecimento
interior, que poderia se fazer sem ela e para o qual ela não
contribui. A palavra não é desprovida de sentido, já que atrás
dela existe uma operação categorial, mas ela não tem esse
sentido, não o possui, é o pensamento que tem um sentido, e a
palavra continua a ser um invólucro vazio (...), a linguagem é
apenas um acompanhamento exterior do pensamento
" ( Ponty, M.)

E ela querendo entender o que sente.. hã, deita no divã, querida.