terça-feira, 29 de setembro de 2009

yeah, all you do is take.

Bosta de vida, merda de dia, saco de faculdade. Peço licença para iniciar um post de maneira agressiva. Licença.
Que droga! Mais uma vez eu caio na armadilha que eu mesma invento!
Reproduzo aqui o que faz com que eu pense que determinadas atitudes devem ser tomadas imediatamente e com prazo interminável.

Sandra me pergunta aonde estou. Digo minha cidade, minha faculdade, a sala aonde estou e ao lado de quem estou sentada. Ela me pergunta o que eu estou fazendo e eu digo que estou assistindo à uma aula. Se estou feliz? não, não sei.. o que é estar feliz? é estar de bem com tudo e com todos, ter a auto estima elevada, sentir-se confiante e pronta para encarar o mundo e ser grata pela família e amigos que tem? é isso? então não, não estou muito feliz não..
Por que você está aonde está? Porque gosto de desafios... eu acho. Esta disciplina me desperta algo, ainda não sei nomear o que sinto.
Você entende o porquê de não de sentir feliz? Acho que entendo. Eu não me sinto à vontade, de novo. Eu sei que você já escutou isso milhares de vezes saindo da minha boca, mas eu acho que estou descabida aqui. Sinto que não faço a menor diferença aonde estou.. mas calma, não é generalizado. Eu ando me enturmando bastante e confesso que estou me sentindo bem "querida" pelos outros. O problema é o Cacau. Ele foge de mim e parece que a conversa não engrena, parece que ele e eu percebemos que estamos nos entendendo pelo olhar, mas não queremos assumir isso. Entende o que eu digo?
Você diz que o Cacau foge de você. Você o procura? Óbvio, pra ele fugir de mim eu preciso procurá-lo.. (pra que fazer terapia, meu Deus?) Nas conversas, nas danças, nos olhares, nas presenças e até nas risadas. Eu acho que ele foge porque eu sou intensa demais, Sandra. Eu olho nos olhos, eu falo o que eu acho sem ser arrogante, mas falo, eu rio alto, eu opino.. e ele parece ser tão 'em cima do muro'. Sabe aquelas pessoas que não falam mal da fulana, nem no ciclano, nem dizem sequer o que acharam de um livro que leram?! Parece que você precisa implorar pra que ele diga o que acha sem se interromper e dizer "ah, sei lá..".
Poxa, eu quero saber!
O que você quer saber? tudo. eu quero saber se ele tá feliz, porque ele tá triste, se ele gosta de torta de limão. quero saber se o dia dele foi bom, quero saber tudo de todos. é tão difícil que as pessoas entendam que eu quero saber da vida delas?


Meliza reclama tanto, Alfredo. Ela fala o tempo todo que não é querida... é afoita e precisa crescer.
Sandra, ela é uma criança! Tem apenas 24 anos, não sabe nada da vida!
Mas ela já deveria saber como se portar quando um rapaz não a quer.
Ora bolas! como se existisse uma idade para se conformar com o amor não correspondido.. de onde você tira estas ideias?
Não me venha com essas suas abstrações de que não existe idade para as coisas. A vida deve ser mais pontual, Alfredo.. veja nós dois: se você tivesse um ano a mais eu não me casaria com você. Veja que absurdo estar com alguém de outra geração!
Às vezes me espanto com você, Sandra. Como você se formou em Psicologia com esta cabecinha de vento? Devíamos ter um daqueles detectores de metal como nos aeroportos nas faculdades. Mas ao invés de metais, os aparelhos iriam barrar as pessoas que portassem ignorância.

Doutora, acho que sofro de Impostura.
Como assim?
Impostura é não ter postura, é não se posicionar, certo? pois bem, acho que não assumo posturas em lugar algum.
Você está falando de qual lugar, especificamente?
Especificamente nenhum. Digo que em nenhum lugar eu me encaixo.
Por que você acha isso?
Ninguém faz questão da minha presença.. todos me odeiam e na verdade fingem que gostam de mim. O que eles querem, na verdade, é ter alguém inferior por perto para sentirem-se bem. é isso o que a sociedade quer hoje: desigualdades!
Meliza, acalme-se. Tome aqui um lenço, enxugue estas lágrimas. Você precisa pensar mais nas suas qualidades. Você é uma moça bonita, pra começar. Tem cabelos lindos, olhos lindos, um corpo lindo e um sorriso que encanta à primeira vista. Olhe o seu senso de humor, você sabe contar piadas, sabe ser engraçada.. use disto! Não pense em quem não gosta de você. Foque suas energias n....
O que foi, Sandra?
Nada, acho que você pode completar o que eu dizia..
Hã?
Continue o que você dizia.
Não entendo, você estava me elogiando.. continue, eu estou me sentindo melhor.
Por que você se sente melhor?
Ah, não! Pare com isto! Você me elogiava e agora me pergunta o porquê de tudo de novo?
Vocês, da psicologia, da psicanálise, tem isso: não se doam. Tem medo. Vocês só perguntam, só escutam.. e eu? Dá pra falar comigo? Aposto que este seu momento foi uma fuga.. você quer falar, mas não pode, com aquele retrato daquele velho com um charuto que tanto te intimida.
Ande, doutora, você pode falar mais.
Sandra, fale sobre a sua angústia.
Que nada! Eu vou embora, falar com o porteiro, que me dá conselhos..vocês, quando doam muito, já interrompem e vão pro outro lado. Aí eu acho que estão sendo atenciosos e me iludo achando que gostam de mim. Vocês fazem a merda e eu que me ferro!
Você, doutora, é igual ao Cacau... é, é sim! Você não é dinâmica comigo, só pergunta o que lhe convém e nem me conforta quando eu preciso.. Olhe, o dinheiro da sessão está com a secretária, eu não venho mais.
Meliza..

x

E foi assim, lendo este caso, que eu percebi o quanto as pessoas não se comprometem mais. Todos tem ocupações e princípios e ninguém parece querer abrir mão para fazer um agrado ou apenas pra mudar a rotina. O individualismo está se tornando coletivo, cuidado.

domingo, 27 de setembro de 2009

I've been long.. a long way from here.

Os últimos acontecimentos andaram surrupiando a minha leveza vital de uma maneira cruel. Quando eu tinha grandes preocupações e compromissos à curto prazo, sabia que eu precisava organizar o meu tempo e fazer tudo dando o máximo de mim. Parar algo concreto pela metade pra pensar em algo que angustia e se mostra tão abstrato ao ponto de ser insustentável era loucura - e entenda este momento como pleno de sanidade.
Acontece que quando a gente se desocupa e se propõe a "pegar pesado" pra "ficar leve", as coisas mudam de figura. Radicalmente.

Quando entramos em um quarto escuro, não enxergamos nada. Se houver uma fresta de luz, conseguimos nos localizar, mas os objetos estão completamente invisíveis aos nossos olhos. Eles estão ali, mas se camuflam e nos emprestam um pouco de paz.
À medida que o tempo passa, neste quarto escuro os objetos voltam de sua condição flutuante e se mostram novamente, já denunciando um intuito de nos equilibrar e localizar.
Há quem ache que isso é bom e ver as coisas no claro é melhor que viver na incerteza.
Eu discordo... tem muita coisa que não precisa vir à tona. Como pensadora e em constante contato com a psicologia e todo o seu kit de viagem para outras galáxias peculiares eu devo defender que cutucar a ferida faz ela ela cicatrizar mais cedo. E isso contradiz a minha opção (se isso fosse opção...) de preferir a camuflagem. Porém, existem certos assuntos e significações que são violentos demais, e muitas vezes nós não estamos preparados para lidar.
Minutinhos estão passando e o quarto já está estruturado com o básico: uma cama, uma janela, cômoda, armário...todos os pedaços, objetos separados por suas dimensões e cada um desempenhando uma função. O sentimento de unidade que o escuro me dava agora se esvai.

Eu me sinto segura agora, fechada no escuro, coisa que à noite não acontece. E só é assim porque eu sei quem tem alguém lá fora que está acordado e que de alguma forma, me cuida. Eu sei que tem luz lá fora e que se eu quiser fugir do medo, é só abrir a janela. Eu sei, eu tenho segurança e agora sim, uma opção.
No claro, as coisas reais te dão tapas para acordar e fixam seus pés no chão só pra você sentir que não pode sair dali.
Não me impressiona que alguns casais gostem de fazer amor às escuras... se passamos grande parte dos relacionamentos calcados no que nos parece real, por que deixar um momento de tanta imensidão ser regido por toda a moralidade e visível aos nossos olhos e mentes julgadores?
Apagar a luz é deixar-se levar pelo seu lado mais livre e espontâneo. Apagar a luz é uma metáfora que nos tenta dia após dia e nos serve de escape.
Não há como não pensar que no momento de maior espontaneidade os atos intrínsecos apareçam e nos denunciem, mas a grande diferença entre este estado de vigília ( e já explico o porquê de sentir-se em uma vigília ) e o estado de estar, de ser, é que no primeiro você se permite, o meio te permite. Nesse estado, você pode tudo. No escuro, você pode fazer caretas sem repercussão. No claro, sempre há consequências mais duras.

É um estado de vigília porque mesmo com toda a liberdade e abstração permitidas ainda existe uma brecha de censura ou realidade, como quiserem, que nos localiza, que nos orienta. Não perdemos completamente os sentidos quando apagamos as luzes. Sabemos como andar, quem somos e aonde estamos. O fim é o mesmo, o que muda são os meios que nos colocamos. Em que estrada eu sigo? Eu sei aonde vou parar, eu sei qual é o destino da viagem, isto eu não posso mudar. Mas a maneira com que eu vou me deslocar e me desenvolver até lá cabe a mim escolher. C'est la vie?

Se acender a luz facilita cutucar a ferida e a ajuda cicatrizar, então temos aqui uma solução parcial de todos os problemas. Temos mesmo?
Solução ou método paliativo, o que importa é o que te faz bem. E por ora, estar no escuro parece "mais tranquilo".

'If it makes you happy, then why the hell are you so sad?'

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

illusion never changed

I wonder how, I wonder why. Yesterday you told me about the blue blue sky and all that I can see, is just another lemon tree. (!!!!!)

não é à toa que isolamos ou loucos. colocamos todos os nossos defeitos debaixo do tapete quando condenamos alguém por falar coisas absurdas e desagradáveis. coisas que nós não queremos ouvir. pois bem, Paulo Coelho ilustra em Veronika Decide Morrer um trecho de uma lenda que ajuda a pensar no quanto estamos deturpando valores:

{(...)"Um poderoso feiticeiro, querendo destruir um reino, colocou uma poção mágica no poço onde todos os seus habitantes bebiam. Quem tomasse aquela água, ficaria louco.
Na manhã seguinte, a população inteira bebeu, e todos enlouqueceram, menos o rei - que tinha um poço só para si e sua sua família, onde o feitiçeiro não conseguira entrar. Preocupado, ele tentou controlar a população, baixando uma série de medidas de segurança e saúde pública: mas os policiais e inspetores haviam bebido a água envenenada, e acharam um absurdo as decisões do rei, resolvendo não respeitá-las de jeito nenhum.
Quando os habitantes daquele reino tomaram conhecimento dos decretos, ficaram convencidos de que o soberano elouquecera, e agora estava escrevendo coisas sem sentido. Aos gritos, foram até o castelo e exigiram que renunciasse.
Desesperado, o rei prontificou-se a deixar o trono, mas a rainha o impediu, dizendo: 'vamos agora até a fonte, e beberemos também. Assim, ficaremos iguais à eles'.
E assim foi feito: o rei e a rainha beberam a água da loucura, e começaram imediatamente a dizer coisas sem sentido. Na mesma hora, os seus súditos se arrependeram: agora que o rei estava mostrando tanta sabedoria, por que não deixá-lo governando o país?
O país continuou em calma, embora seus habitantes se comportassem muito diferente de seus vizinhos. E o rei pôde governar até o final dos seus dias" (...)

Veronika riu.
- Você não parece louca - disse.
- Mas sou, embora esteja sendo curada, porque o meu caso é simples: basta recolocar no organismo uma determinada substância química. Entretanto, espero que estea substância resolva apenas o meu problema de depressão crônica; quero continuar louca, vivendo minha vida da maneira que sonho, e não da maneira que os outros desejam. Sabe o que existe lá fora, além dos muros de Villete?
- Gente que bebeu do mesmo poço.
- Exatamente - disse Zedka. - Acham que são normais, porquem todos fazem a mesma coisa. Vou fingir qu também bebi daquela água.}

Seriam os loucos então os que nos falam a verdade e nós, por estarmos tão acovardados e prepotentes os excluímos e tampamos o sol com a peneira? Mas não faz sentido.. por que o homem não quer mais a verdade? Será o mal estar da atualidade? (Freud se remexeu agora no túmulo, deu pra sentir). O fato é que estamos cada dia mais acomodados na posição de não sentirmos desconforto. Não queremos incomodação, então não ouvimos a verdade: nos conformamos com a mentira. A doce mentira.

Louco, paranóico, com sintomas persecutórios, narcísicos, esquizóides e sociopatas. Podemos tachá-lo de 'antissocial' ou nós é que somos inadequados?

Se dizemos o que sentimos, somos idiotas, sem noção, neuróticos absolutos e completamente descabidos. Se omitimos a verdade, ficamos angustiados e fingimos que está tudo bem então somos 'normais' e aceitáveis? Então leva o prêmio quem mais fingir?

Pois não, às vezes me aparece aquele fio de loucura intrínseco e me sobe a vontade de falar com todas as letras o que sinto naquele momento, por mais impertinente que esta fala soe. O álcool, não nego, ajuda este processo a se concretizar. Mas o mais legal dessa brincadeirinha de criança supimpa é que mesmo sóbria a vontade bate na porta e muitas vezes - analiso ou não? - eu não a deixo entrar. Eu resisto e finjo. Que feio.. hipócrita!

Aí eu não deixo a sinceridade falar mais alto que a censura e tranco. Logo alguns fatos sucedem e eu passo a pensar que se tivesse dito tal coisa teria sido diferente. Aí fantasio também (porque vem sempre no pacote de BRINDE) que o que o dito cujo faz ou fala tem a ver comigo e com a minha não-fala. Como ele poderia ter adivinhado que eu queria dizer aquilo? Será mesmo que ele falou aquilo de brincadeira ou teve fundo de verdade?

Essa vigilância cansa, mas seria tão errado eu pensar que tudo o que acontece em volta tem relação com a minha existência? Se dizemos que por si só o ser humano é egocêntrico, por que espantar-se com a auto promoção através de fatos alheios?

E não sei.
mesmo
mas esse post foi pra você sim, não é paranóia.

domingo, 6 de setembro de 2009

quebrando o bloco do eu sozinho

Deparei com Sandra, depois de muitos anos distante de suas piadas sem graça e seu hálito nada agradável, e ouvi, logo de início, esta enchurrada existencial:

"Me incomoda pensar que sou tão dispensável assim. Ou algo aconteceu de repente e fez você pular fora, me evitando de todas as formas possíveis, ou estou me transformando em um monstro que afasta pessoas e enoja quem chega perto. Fico com a segunda opção, e não é por baixa auto estima. Tenho sentido um afastamento e uma não aproximação (pois são distintos, beem distintos) de todas as pessoas que costumava estimar. Tento muito identificar algum erro, percalço, escorregada, vacilo, seja lá do queiramos denominar algum acontecimento que tenha partido de mim que possa ter decepcionado assim os corações alheios.

Acho que a pior ofensa que podemos dirigir à alguém é o nosso silêncio, que tenta se passar por indiferente, mas que revela uma imensa ignorância dos altos e baixos de qualquer relação, seja ela de amizade ou afetiva. Confesso que estou exausta de correr atrás de ditos amigos, nem que seja pra saber qual é o problema do dia, anulando os meus, e não ter nenhum retorno. NENHUM. É da minha personalidade mesmo me prestar à isto, mas chega uma hora que a generosidade te entope até a guela e você precisa respirar um ar seu, com seu nome, seus problemas. Se não tiver ninguém que possa te acompanhar nessa nova respirada, então que você a faça sozinha, tentando não remoer a mágoa/raiva por tanto tempo, digamos assim, desviado. Digo desviado e não perdido porque mais uma vez a batida na cabeça foi substrato pra minha tào venerada aprendizagem de não ser tão tola e dedicada.

É bonito receber elogios quando as pessoas reconhecem a sua presença em todos os lugares aos quais você é requisitada, é muito gratificante saber que as pessoas gostam de contar com você e te apóiam quando você precisa.. muito bom mesmo. Mas quando as pessoas cansam de tudo e resolvem descontar os problemas em qualquer parte, pessoa, animal ou motivo, você tem que deixar.. deixa o coitadinho desabafar, ele precisa, você compreende.

Até quando isso, ô banana?

Cansei, mesmo. Dá vontade de jogar tudo pro alto e ser uma pessoa mais chata, pra ver se assim alguma coisa muda. Tomar na cabeça sempre, naquela imagem de eterna compreensiva dos problemas alheios tem um limite, e o meu parece ter passado há muito tempo. O que não aconteceu ainda foi a fiscalização ter visto esta ridícula ultrapassagem dos limites da descência humana.
Deu, não desabafei tudo o que eu queria, mas por ora é o que eu posso fazer".


E eu nem respondi se estava tudo bem...

sábado, 5 de setembro de 2009

apego

Precisava vê-lo devorando a carne, para que seus mínimos detalhes, aqueles mais comuns à todos, fossem à mim revelados. A paixão pela proximidade entre o tenebroso e a exposição a agradavam, assim como seu interesse pelas suas aventuras menos heróicas aumentava sua excitação. Saber se ele fora viajar, o que descobriu, quem conheceu; ouví-lo falar de suas teorias mais abrangentes e revolucionárias e dos maiores acontecimentos de sua vida não a apeteciam. Ela satisfazía-se apenas em saber o que ele costuma tomar no café da manhã e finalmente, enxergar seus pés. Thereza tinha regras neuróticas que não a deixavam manter qualquer relacionamento se não as cumprisse. Ver os pés de alguém era uma revelação da alma que nunca a traía. Ver o pés de Andrew é seu objetivo até que seu interesse por ele suma, assim como fez com os outros casos primaveris.

Via-o comendo e confessa que seu mastigar não é nada sutil, o que dá um ar primitivo à necessidade básica humana: comer. Ela gosta de ser romântica e sonha, mas é oposta ao romantismo de um encontro ( sim, não chama mais este envolvimento de relação, pois daria uma conotação promissora demais à alguns desejos que surgem e logo vão embora) que prometeria à ela sorrisos melosos e abraços sufocantes. Thereza queria o acalento apenas da curva que os braços dele faziam ao envolver seu corpo pela manhã. Quanto ao ato, seja ele do diálogo, sexo ou demais, ela preferia a submissão de seu corpo e alma para que não tivesse tempo, oportunidade e espaço para pensar. Thereza sabia que se pensasse além, desistiria e correria dos braços de Andrew.

Os pés seriam um retrato da personalidade e dos cuidados que cada um tem consigo. Pablo Neruda traz alguns versos que metaforizam esta fixação que Thereza tem pelos pés alheios:

"Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.
Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem."

Ver os outros em seus pormenores diários e humanos me faz pensar que não devemos nos apegar ao kitsch carnal. Palavra alemã, kitsch apareceu em meados do sentimental século XIX e que em seguida se espalhou por todas as línguas: o kitsch, em essência, é a negação absoluta da merda; tanto no sentido literal como no sentido figurado: o kitsch exclui de seu campo visual tudo o que a existência humana tem de essencialmente inaceitável.

Vê-lo bem vestido, "nos padrões" e sem mistérios exalados de sua forma, com um olho emprestado, é não vê-lo. Esta imagem é apenas um esboço de Andrew. O verdadeiro, a sua essência, o seu corpo e a sua alma, estas estão pairando sob a cabeça de Thereza, demonstrando um eterno paradoxo que a incomoda. As partículas da subjetividade de Andrew estavam alcançáveis metaforicamente, mas é tão perto, tão possível, que Thereza não sabe como aproximar-se.

Dada a insustentável condescendência que me acomete hoje, introduzo Andrew no repertório de meus delírios adaptados.