quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Reconhecer-se

Sabina pede desesperadamente para ser notada. Peço que aguardem alguns instantes marcianos para que eu volte a trazê-la à tona.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Dance, Dance

Clara me contou que a vida deve ser aproveitada porque é um rascunho, e que não temos tempo para apagarmos o que não nos agrada. Apesar de sua idade, senti aquelas palavras penetrarem em meu crânio e cutucarem os inquietos neurônios que por alguns instantes raros, estavam descansando. Será que eu tô aproveitando?

Foi assim que André chegou ao meu consultório. Extremamente preocupado com o que faz e com o que diz. Se está perdendo tempo se questionando tanto, ele nem se importa. Diz ele que quanto mais tenta não pensar nisto, mais o labirinto se estreita e mais vigilante ele fica. O que André não percebe é que a vigilância é consigo mesmo, e que isto muda as coisas pra um cenário muito mais delicado. Pensar em si é complicado, afinal de contas, não estamos, de forma alguma, imparciais. E devemos?

Para melhor entendê-lo, procurei em minha biblioteca um alguém que sempre ajuda de alguma forma em todos os casos que estudo: Foucault. Diz ele que
os gêneros de expressão estão divididos em quatro famílias:

  • Os atos do conhecimento: cuidar-se de si, voltar seu olhar para si, examinar-se a si próprio
  • A idéia de movimento: conversão do olhar, vigilância necessária a si, “movimento global da existência que é levada, convidada a girar, de alguma maneira, sobre ela mesma e a se dirigir ou voltar-se para si.";
  • O vocabulário médico, jurídico e religioso: cuidar-se, sarar-se, amputar-se, abrir seus próprios abscessos, reivindicar-se a si mesmo, liberar-se, render-se culto, honrar-se;
  • A relação de controle: dar prazer a si mesmo, satisfazer-se, etc.


Tentando entender que Foucault buscou na filosofia muitos subsídios para sua extensa pesquisa e obra, tomei um chá de autonomia e pensei que talvez André não entendesse ainda que o preceito 2 (vigilância necessária de si) não precise de tanta ênfase em seu cuidado consigo. É natural se preocupar com o fim da própria existência, até porque não conhecemos o que virá "do outro lado". A morte ainda desperta interesse e horror aos vivos.; e isto tem motivos claros: temos medo dela, mas ao mesmo tempo fomos arruinados (e vale dizer que afortunados também!) com a curiosidade, o que nos aproxima cada vez mais do fim.

Às vezes eu penso se eu tô realmente aproveitando o tempo com a Marina e fico tão preocupado com isso que não acompanho o que ela fala, muito menos o que ela faz... eu fico viajando, sabe?
Outro dia ela me disse isso, que eu viajo demais quando tô com ela. Ela fica muito chateada, briga sempre que a gente se despede.. que que eu faço?
...
A nossa vida sexual anda fadada ao fracasso. Enquanto ela espera uma performance revolucionparia eu ofereço apenas o casual e fico pensando, durante o sexo, em como melhorar. E não melhoro, porque só penso!

Olha, é difícil encarar a verdade quando ela se apresenta para nós. E isso não é clichê, é a pura verdade mesmo.. talvez seja por isto que é mais difícil ainda admitir que é difícil. Acompanham-me, caros colegas?
Yalom nos traz por vezes a reafirmação, na terapia, do aqui e agora, como formas de se aproveitar ao máximo o que aparece durante uma sessão, tentando "aterissar" o pensamento e trazê-lo ao plano consciente. Será que deveria então ler novamente este tipo de abordagem para melhor orientar André? Na dúvida..

Me recordo do pequeno documentário "Dance Monkeys, Dance!", que revi várias vezes esta madrugada, e que me fez pensar nas grandes preocupações que ocupam o nosso tempo, nos impedindo, muitas vezes, de desfrutar o aqui e agora. Seria pedir demais para dançar e, metaforicamente, despreocupar a consciência, proporcionar à espontaneidade, à inconsciência e inconsequência momentos de liberdade? Sem mais discussões acerca dos porquês, vamos ser crianças um pouquinho? Esquecer os extratos do cartão de crédito, ignorar o rejunte que falta no banheiro, simplesmente apertar o botãozinho DESLIGAR do celular... pare um pouco!
Diego Araújo me alertou, dentro do ônibus :
" Pare
Olhe
Escute
A vida está passando..."

Agradeço ao Diego e à prefeitura, que me deram a oportunidade de ler isto.

André vai voltar para casa mais aliviado, sem dúvida. Falou, desabafou, pelo menos chegará em casa com menos "material" para pensar.. assim espero. Mas como fazer para detonar a paranóia?