quarta-feira, 31 de março de 2010

metamorfose sem cerimônias

' Assim, com o nascimento, damos o primeiro passo de um narcisismo absolutamente auto-suficiente para a percepção de um mundo externo cambiante e para os primórdios da descoberta dos objetos. A isso está associado o fato de não podermos suportar o novo estado de coisas por muito tempo, de periodicamente dele revertermos, no sono, à nossa anterior condição de ausência de estimulação e fuga dos objetos. É verdade, contudo, que nisto estamos seguindo uma sugestão do mundo externo que, através da mudança periódica do dia e da noite, afasta temporariamente a maior parte dos estímulos que nos influenciam.' (Freud, S. - 1921)

pede pra entrar e já sabe que a casa é dela. chamem de borderline ou bipolar, mas o bom mesmo é poder mudar e sentir-se livre para isto.

sexta-feira, 26 de março de 2010

My black eye casts no shadow

Pra quem tinha passado um tempo cuidando de um celular como se fosse um filho, Izis está recuperada, mas ainda mostra o trauma inicial sempre que pode. Também pudera, ninguém é perfeito e ela sabe que isso é um alívio.
Andava de um lado para o outro com o aparelho nas mãos. Banheiro, cozinha, cama, sala, faculdade, academia, mercado e aonde mais pudesse monitorar os minutos em que não recebia ligações. O curtido dessa história eu antecipo: ela se frustrava tanto, mas tanto, que se acostumou, gostou e passou a pedir pra se frustrar mais. Foi tola, caiu e achou que tinha se safado de aprender mais sobre as limitações morais dos seres humanos.
Quando achou que pudesse se distrair, comeu pelas beiradas e acabou percebendo que se engana o tempo inteiro. Izis insiste que não quer tantos relacionamentos sérios, mas fica constrangida quando não ligam no dia seguinte. Não quer ser vista como gauche*, mas quer que alguém a observe. Será este o motivo de sonhar com um perseguidor que a amedronta? Quando o inconsciente grita é melhor deixar a coisa acontecer antes que ele se irrite e volte mais violento.
Ela sentiu então que Hugo não era sua melhor opção. Até pensou em não se envolver demais, e isso acabou acontecendo MESMO! Ele quis curtir e esta era a premissa inicial de Izis, mas, como disse, não quer ser apenas mais uma.

Ahá.. ela entende porque Jerônimo então lhe mandou uma carta de amor pedindo que não fosse só mais um em sua vida. Ele se apaixonou e ela só assistiu o espetáculo. Fria, mas viva.

Fico confusa se realmente os atos de Izis podem não ser levados à sério. Caiu na bebedeira e sabe-se lá se vão lembrar do que possa ter feito.
Imaginou também, como de praxe, que alguém próximo pode estar se aproximando mais, mas isto ela deve filtrar; afinal de contas, comida não pode ter tempero de menos, nem demais.
Percebam, Izis pode entorpecer-se o quanto quiser, mas continua sóbria moralmente, e livre no amplo sentido carnal. Esta é sua condenação: nunca se livrará de si própria, de seus pensamentos e receios.
Seja com quem for, Izis precisaria mesmo é de uma terapia de choque, ou do colo dos pais.

sábado, 13 de março de 2010

elixir da auto enganação

I'll be cold

segunda-feira, 8 de março de 2010

So why on earth should I moan?

Como um sopro de frescor, a chuva foi e veio e agora me sinto confortável se ela demorar a chegar.
Acho que o precisa-se mesmo é de peças substituíveis neste jogo manipulado por sei lá quem.
Sorrisos, abraços, carinhos, saudades. Sabe-se lá até quando vai durar.. dali a pouco escutamos críticas, deboches e reclamações de currículo e tudo o mais. Assim que é bom, é saudável, é renovável.

Mais um ponto pra caixinha de surpresas: não pensava que gostaria tanto de continuar a conviver com quem me cerca. Acho que a sensibilidade tomou conta e estou com bons humores.
Resta apenas saber se as outras parte da vida acompanharão esta boa maré.

domingo, 7 de março de 2010

de prata ou bijuteria?

Te vi hoje, e você foi a minha chuva. Foi bom te sentir em mim, disse Claudia, já embriagada do líquido que lhe ofereceram. Mal ela sabia que nunca deveria aceitar bebidas de estranhos; considerando que não conhecemos nem à nós mesmos, não deveria aceitar nada de ninguém. Mas... o ser humano é curioso.
Voltei, depois de um dia ocioso, esperando notícias, voltei, pro casulo que agora me protege. Voltei esperando que houvesse uma surpresa, fosse ela agradável ou não, a única coisa em que não tomo gosto em me apoiar é nessa incerteza que dá ânsias e vicia tanto. Se as situações fossem definitivas e claras, talvez o mistério não encantasse.
Pois bem, Claudia voltava para casa recebendo com carinho os pingos que a molhavam cada vez mais, num cenário de chuva e sol, que a entorpecia.
Pensou que talvez estes mesmos pingos que a faziam sentir-se mais jovem, fresca, alegre, poderiam ser os pingos que Juliot depositara desde o dia em que se cruzaram. Entendendo isto com conotação sexual ou não, ela não ligava: queria apenas refestelar-se em sua mais nova descoberta.
Disse, em uma noite com a lua quadrada:
"Você é a minha chuva; vem à mim delicadamente, mas sem pedir, como o que não esperei, mas desejei. Se instala em minha pele e vai penetrando em meu ser, até que tome conta de mim. Há más línguas que dizem que os acometidos pela sociopatia, em seus 'relacionamentos pessoais', armam o circo e depois vão embora, como se fossem vítimas. Você me provoca desconfianças que o colocam nesta posição. Estaria você plantando uma semente que não quer colher?
Devo sim estar desconfiada, isto já aconteceu antes e por mais que digas que não és igual aos outros, sinto medo."

A chuva ia caindo e ela deleitava-se num prazer singelo, pueril, mas nunca superficial. Claudia pensava que a chuva é a melhor das companheiras, pois não precisa aparecer todos os dias para que a apreciemos. Não nos viciamos nela, então podemos curtir quando chega sem pedir.
"Você foi minha chuva. Veio sem pedir e agora está grudado"
O que Juliot não entendia era que isto era um milagre, que deveria ser apreciado até as últimas consequencias do primeiro ato, da primeira palavra, do primeiro olhar.
Saudades eles sentem das épocas em que o compromisso era ignorado. Hoje vemos mais um típico caso de separações e desencantos vagarosos, em que um desabrocha antes do outro.

Ele foi sua chuva e ela gostou, até que ele se apresentasse apenas enquanto chuva. Pois a chuva é passageira e por mais que permaneça na lembrança eternamente como o momento de redenção das almas, não é necessidade de sobrevivência como o sol. Ele, portanto, era a sua chuva. Claudia pedia incessantemente para que Juliot não se tornasse o seu sol, pois a chuva refresca, prova a vida".

sexta-feira, 5 de março de 2010

Entorpecentes esperados

Sabina foi pega de surpresa. Caiu na armadilha e agora já sabe que para sair, terá de usar boas molas pra alcançar a superfície do poço do amor em que se meteu. Ela sabia, já havia comentado anteriormente que sempre desconfiou que se houvesse insistência, ela cederia. Apesar de sua negação, primeiramente resistente, Sabina revelou-se permeável, pois bem, agora está perdida na mata escura e penetrante, que a engoliu bruscamente.
Quando dizemos, caros colegas, que as melhores surpresas da vida acontecem justamente enquanto surpresas, não falamos da boca pra fora. Sabemos que o inesperado seduz, nos pega pelo pescoço e nos faz gemer até que gritemos que concordamos que o que é proibido, inaceitável, impossível, é o que queremos.
Ô Lacan, brigada por mais uma vez descrever o objeto "a" enquanto central na minha vida, acho que eu estudo tanto Psicanálise pra depois aplicá-la em mim.
Quando Sabina abriu os olhos, sentiu-se revitalizada, sentiu-se confortável, sentiu-se livre. Há um aspecto intrigante meio à liberdade. Sabina sempre a desejou, nunca tomou gosto por prisão, compromisso e tanta estabilidade em sua vida amorosa. Porém, dadas as circunstâncias do destino, Sabina está livre, mas sente-se solta demais, desamparada demais, livre demais. Seria mais uma de suas armadilhas em que cai sempre ou seria sua mudança, tão esperada e temida?
Sabina está se tornando fiel, comprometida, estável. Isto a deixa instável, medrosa, temerosa.
Não sabendo como agir, torna-se agressiva, como um animal que fora maltratado e quando recebe carinho, afugenta-se. Tanto conversou com seu colega de filosofadas, a agressão nada mais é do que um mecanismo de defesa. Os brabinhos são carentes e não conseguem (não por incapacidade, mas por ignorância. Entendam o termo corretamente, como a ausência do saber, ausência da experiência) expressar quando amam. Estes, os raivosos, precisam é de carinho, amor e segurança.
Pois é, Sabina está recebendo isto e teme tanto perder este porto seguro que se esvai em conversas intermináveis madrugada adentro, desejando a presença de tal ausência.
Mas agora, acabo de notar que Sabina sente é vontade de ter mais carinho! É a evidência perfeita para que confirmemos o quanto ela é uma pessoa presa à terra firme. Sabina está conosco, apenas deixa por vezes sua face perversa tomar conta de si. E agora, colegas? Como tratamos deste caso?
Ela pretende ser sincera, mas não até as últimas consequências, pois isto a traria novamente ao fundo do poço do amor escuro e sombrio.
Será que, por revelar sua alternância obscura Sabina não gostaria de experimentar novamente tal situação?
Esperemos para saber, afinal de contas, não há de se esperar que ela mude tão bruscamente... se mudar, há a tênue esperança de que volte a ser como sempre foi.

Já dizia Nietzsche, pressupondo o que sinto agora: "O medo é o pai da moralidade".
Sabina, seja imoral.

quarta-feira, 3 de março de 2010

futricaram os baús da Babilônia

Meio à tanta psicologia borbulhante dentro de uma sala minúscula, percebo o quanto tenho que fazer nesta vida. São casos de abandono, depressão, cognição, euforia e entre outras preocupações, a minha centrava-se em ser uma profissional eficaz. Depois de tanto tempo (que às vezes sinto pouco) de devaneios teóricos, preocupações de leitura e desesperos acadêmicos, me vejo diante de seres humanos que precisam de ajuda. O que eu faço?
Olhinhos esbugalhados que me fitam durante toda a primeira entrevista, sorrisos disfarçados, que mais revelam a profunda e aniquilante inquietação da alma daqueles pobres infelizes que são como eu (fora do consultório) : humanos, demasiadamente humanos.

Me forço a prestar atenção em cada movimento, palavra, gracejo. Tudo hoje é importante. Tudo hoje é necessário. Tudo, menos o essencial. Eu acredito que o maior segredo da terapia encontra-se nos primeiros instantes desta. A apresentação de um paciente, sua auto avaliação, seu próprio diagnóstico, sua queixa. Palavrinha tão utilizada.. me fez pensar.
Por que nos queixamos? Lendo Freud eu entendo que há algo de prazeroso no desprazer.
Sendo mais clara..
Gostamos de sofrer; gostamos de passar por situações dolorosas para dizermos, pensarmos e sentirmos que PASSAMOS por elas.
Tio Sig dizia que há um ápice de tensão libidinal em que o indivíduo desloca a sua energia justamente pro que há de mais sutil na existência humana: o inanimado. O processo se dá como em uma montanha russa: de início estamos no plano, andamos devagar e a expectativa é o sentimento que reina. Quando estamos no alto, há algo inexplicável por parte de quem sente, uma excitação incomensurável que simplesmente toma conta de nós. A primeira reação, a princípio, seria acabar com a tensão (deixando-se cair e deslizar pela montanha russa). Ao cair, vem o alívio; porém, a sensação de poder e exaltação que sentiu-se lá em cima é lembrada com furor por uns, com pavor por outros.
Resumidamente Freud nos diz que nesse ponto alto da emoção é que "tomamos a poção mágica" do vício. A aventura instiga, o impossível atrai. Quando o temos, queremos mais é desfazer tudo o que fora feito para dirigirmos à outro objeto a nossa pulsão original.

Não só por isso admiro o título de tal obra, mas dizer que o que há Além do Princípio do Prazer é este gozo descrito por Lacan no inesperado é dizer-me que posso viver sem culpas, pois o que gosto é da renúncia mesmo.

Aprendizagem, silêncio, sono, medo, expectativas, atrevimento, ambição, angústia, euforia, apego e cansaço são as palavras do dia, já que o estágio está apenas começando.

segunda-feira, 1 de março de 2010

eu liricando falando na poesia

(...) Cássio* de quê? Cássio, simplesmente Cássio. Não basta?

(...) - Cássio de Tal - ele havia dito -, Mariana de Tal, o resto não interessa. Que mania vocês têm de sobrenome, do de antes do sobrenome, os antepassados importantes, as famílias que vem do tempo do Império, o apartamento na beira do mar, o carrão preto e luzidio com o motorista fardado a abrir a porta aos patrões; isso tudo não passa de perfurmaria e você sabe disso (...).


Simplesmente você. Ás vezes sem lenço, sem documento, sem frescuras, sem reservas, sem vergonhas, sem roupas. Só você. Se pudéssemos colocar cada ser humano lado a lado, cada qual com sua peculiaridade, sem maiores interferências de uma suposta moralidade, estaríamos diante do real espetáculo da vida. Veríamos sorrisos, veríamos o indivíduo em cena, indivíduos juntos que constróem... o que?
Juntos ou separados?
O budismo prega, dentre tantas filosofias interessantes, a arte do desapego material. É evidente que diversas outras doutrinas religiosas e de pensamento convergem no que diz respeito à ocupar-se da espiritualidade como forma de melhorar a qualidade de vida.
Recorrer à filosofia sempre foi um hobbie, e hoje eu peço que parem de rodar o planeta e entendam que só escrevo quando não vivo.
Estou hoje numa fase em que vivo pela metade, e por isto minha escrita não se mostra de qualidade como as demais, mas aqui estou eu, regressando.

Quando estou sem fôlego, quando estou dentro do movimento repetitivo que o mundo proporciona, eu percebo as coisas, eu capto as coisas, eu me transformo nas coisas. Quando a vida passa, eu escrevo. Eu deságuo, eu evacuo os sentimentos que afloraram durante a minha primavera emocional.

Quando me desapego da escrita, sinto que algo falta, que algo se perde. A escrita é, por via das dúvidas, a forma mais certeira de se registrar algo. Mas aí me pego no paradoxo de imaginar a cena de um casal sentado na grama quente do sol com um vento gelado acariciando seus rostos. Eles se abraçam e apreciam a vista.
Isto eu registro em descrição, mas nunca será um registro absoluto, pois o cheiro, o olhar, o toque, todos estes, são transcendentais.
Penso hoje em ti, Cássio, desapegado dos teus costumes, largado dos teus princípios, separado do teu passado. Estás certo de que nada disso voltará? Não te induzo a pensar que desconfio de ti. Jamais, confio como jamais confiei.
Mas te desafio a pensar, em liberdade - a qual combinamos - que penses se o que há é algo que em ti borbulha.

Digo que acho esplêndido o desapego, mas assumo que sou apegada e sou materialista. Não como Freud costumava se auto denominar, ou como pensamos no radicalismo da expressão. Sou zen e constantemente espirituosa. Tenho lá minhas supertições e manias, assim como todos, e torço para que tu, Cássio, descubra-as, comente-as, ame-as.
Torço para que tu te entregues, quero te conhecer por inteiro, quero te roubar do teu corpo, quero te manter leve, quero desbravar todos os mares que um dia se mostrarem turvos.

Só preciso, Cássio, que voltes da Itália e aterrise em terra firme.