domingo, 27 de março de 2011

Sempre assim. nunca assado

Andre era esperto, fugaz, avassalador e muito charmoso. Cantava quem podia e a que caísse, ele dava um jeito de fisgar. Não era um galinha, nem um cafajeste. Ele é sincero, sabe ganhar uma mulher. Não fica com duas ao mesmo tempo. E dito isso, esclarece que só fica com uma mulher quando a outra souber que entre eles nada mais acontece. E é bem assim que ele faz.
É alto, com um corpo muito bonito, um cabelo ondulado que deixa seus olhos mais fechados, mais misteriosos. Seu olhar, melhor dizendo, é mais misterioso. Não se sabe pra quem ele olha e quando ele vai agir. Mas ele está sempre trabalhando. Casou uma vez e deve ter tido seu trauma, pois nunca mais quis um compromisso tão longo. E irremediável. Tem um sorriso que chama, qualquer pessoa quer ficar perto dele, é carisma. André é simplesmente carismático. Faz de tudo o que pode para fazer o bem, ajuda a quem pode e tem um ótimo relacionamento com a família. Tracem seu perfil, ele é um menino prodígio. Encontrando a mulher certa pra ele, vira um casal de propaganda de margarina.


Já Humberto tem lá suas qualidades. É inteligente, anda sempre cheiroso, independe de onde esteja. Tem um corpo de tirar o fôlego e seus olhos verdes são de arrasar quarteirão. Em compensação, seu olhar não me diz nada. Ou melhor, diz "eu não sei dizer nada", com aquele ar de charlatão querendo fingir que é alguma coisa. Pois Humberto é bem assim: uma farsa ambulante. Não sabe o que quer da vida, já passou por três faculdades e de transferência em transferência ele acabou na administração de empresas. Ganha um bom dinheirinho e conta com uns bicos de férias, fazendo publicidade em sites. Namorou por muito tempo uma moça bem meiga, loirinha de pele branca branca, chamada Isis. Sabe-se lá como ela o aguentava, pois as más línguas diziam que ele é impaciente e muito rabujento. O senhor da pastelaria da esquina sempre me fofoca que ele faz questão de rachar a conta com a namorada. Ou com quem quer que seja. Ele é egoísta, fala seu Jano. Sua mãe, que eu ainda não sei o nome, foi uma famosa costureira da Zona Leste da cidade e hoje faz pequenos reparos em casa mesmo, com a ajuda de uma assistente. A família de Humberto é meio fragmentada, talvez isso explique sua agressividade. Ah, não te contei que ele foi preso, contei?
Pois é, dizem os boatos que ele bateu numa mulher com quem ficou por umas noites e foi detido algumas semanas. Depois soltaram ele, esse papo de cidade pequena, sabe como é né?!
Mas é isso. Ele falha, mas taí pra quem quiser ver. Tem seus problemas, sua ficha meio suja.. mas ele, por outro lado, é transparente. Outro dia vi ele indo pra um prédio chique no centro. Fui lá, né?! Vi que ele parou no andar dos terapeutas. É meio famosinho.. todo mundo que para lá vai pra um. Fico imaginando se eles param no meio da tarde com aquele ar inglês pra tomar um chá e fofocar das neuroses dos pacientes.. não, não, aterrisa.
Humberto tem tentado melhorar, mas isso aí que eu disse é ele. Tudo isso e muito mais.

Cada qual com suas idiossincrasias.
Um universo aqui, outro lá. Os dois são irresistíveis de suas formas e tem lá suas passagens pela malícia. No primeiro contato, diríamos que o melhor partido é, sem sombra de dúvidas, o André. Até porque quem é que quer um Humberto agressivo da vida? O que ninguém sabe é que André também tem seus podres, muito piores que os de Humberto, mas não consegue expor. Defeito maior que esse não tem.

"Olha você; me diz que não vive a esconder.. o coração... Não faz isso amigo; já se sabe que você só procura abrigo, mas não deixa ninguém ver. Por que será á?"

É gente, da casca a gente entende bem. E aprofundar, arriscar, entrar, se jogar, alguém aí pode me dizer que entende? Alguém aí pode me dar a receita? Porque eu tenho alguém que quer, aquela velha história de um amigo meu que precisa daquilo que eu peço. Pois é.
E aí, vai encarar?

acima

Não sei como escrever sobre isso.. mas o fato é que disso preciso. Desaguar. Leitores, entendam a minha agonia. Mais uma vez o destino fez-se tão presente que eu pude sentir. Pude vê-lo, ou melhor, não vê-lo.

É curioso como sinais são enviados e nós, por mais que pensemos que são sinais, ignoramos, ou deixamos de lado em prol do ceticismo. O que mais precisa acontecer pra sermos mais sensíveis? Passei hoje, de novo, por uma experiência que me fez crer no destino, na força de atração, em Deus, não sei. É aquela velha nova dúvida que me deixa tão empenhada em desvendar meus pensamentos e crenças. O que é isso? Uma articulação de leis que juntas nos escrevem uma linha, e dela não podemos escapar?

"Vou deixar a vida me levar pra onde ela quiser. Estou no meu lugar, você já sabe onde é."
(...)
"Mil acasos me levam a você, num mundo concreto ou virtual."
(...)
"Tão fácil perceber que a sorte escolheu você. E você cego nem nota."
(...)
"Não precisa me lembrar; não vou fugir de nada..sinto muito se não fui feito um sonho seu."
(...)

E também não é por acaso que esse cd estava no automático pra tocar assim que eu apertasse Power. Nem nessa sequencia..

Essa agonia, eu sinto que o universo me dá material e eu não sei o que fazer com ele. Será que existe uma forma de entender isso? Será que é pra ser assim? Eu só sei que só consigo registrar a euforia e a dúvida de estar frente a algo tão grandioso e significativo.

Aquele que eu achei que fosse pra ser não é mais. Aquele que eu não queria que fosse, agora é. Sim, dona flor voltou com suas duas vertentes ramificadas e acaba de tomar uma decisão.

quinta-feira, 24 de março de 2011

desaguando à conta gotas

como a maçã apodreceu? como? quando tudo se estragou que eu não vi passar?

me guiei sozinha e sem pensar em direção ao computador e fui escrevendo, sentindo desaguar essa carga pesada que a gente se acostuma a carregar sem sentir exatamente o que é. depois de um tempo eu percebi a beleza disso que se põe em ato, de escrever, de poder ou dever colocar ideias em palavras, por mais que por serem ideias ja estejam envolvidas em palavras.
Sem escolher a hora ou o tema, parece que vem. só vem. quando vê...

essas lembranças não mais ameaçam a integridade do que eu considero confiança e auto estima, mas de algum jeito comprometem uma segurança, parece que ainda falta identificar um erro. tanto eu repito - e acredito no que penso e digo - que não deu errado. deu certo até aonde tinha que ter dado. tanto eu repito isso.. tanto eu repito, tanto eu repito, repito repito.

É que as lembranças boas me trazem aquele sorriso espontaneo e gostoso de se dar num dia de chuva, em que os pingos são trilha sonora e o escuro é o pano de fundo. tudo parece mais inspirador e, pelo barulho gostoso que a água traz, o resto fica em silêncio, e aí revela tanto mais..

revela, fala, conta. mas eu ainda não sei o que é. só sei que não quero fragmento de nada. disso eu sei. só disso eu sei.
eu sei? hã, sei. sei sim, sei de nada, isso sim.
só sei que sinto e sinto que não sei, e aí a clarice me sussurrou que " esta paciencia eu tive, e com ela aprendia: a de suportar, sem nenhuma promessa, o grande incômodo da desordem. Mas também é verdade que a ordem constrange. Como sempre, a dificuldade maior era a da espera."

quanto tempo mais eu vou precisar esperar? só pra saber..
só pra saber, eu vou precisar esperar?

segunda-feira, 14 de março de 2011

Espera. Espera aí só mais um pouquinho. Segura.

Sem expectativas, sem frustrações? Mas é possível não esperar nada? E a idealização, e o sonho? E o desejo? Será que alguém que use a racionalidade à mil conseguiria aniquilar todas as migalhas da pré-ocupação?

Quando Janine me olhou eu confesso que estremeci. Ela tinha olhos de águia e uma boca curvada pra dentro que demonstrava certo rancor, algo que nem a raiva era capaz de suprir. O que os seus cabelos loiros levados pelo vento me falavam eu esquecia, porque o aroma que dali saía e se infiltrava em mim era ensurdecedor. O olhar dela. Era isso que penetrava mais fundo. Eu sabia que dali eu tinha duas escolhas. Ou nos amávamos até o fim dos tempos, ou o ódio consumiria nossas carnes até que não sobrasse mais nenhum pó de osso. E o mais esquisito é não saber de onde brota a raiva, não saber que fim leva. É uma indiferença que fez morrer o amor. Não sei.

Voltando no tempo eu até entendo o atrito entre nós. In my place começa a tocar e eu me sinto num flash back que move todos os meus instintos, direciona a minha consciência pra uma tarde desesperadora atrás de um grampeador, no meio de um escritório lotado de pessoas vazias. Faltavam dois minutos pro prazo final e eu sentia o pé pesado na minha bunda, carimbado de uma longa procura por um novo emprego. No fim do corredor uma mesa vazia, uma caixa de utensílios e um porta-retrato, assim como nos filmes, como quando alguém é despedido. Corri. Grampeei e saí. Um vulto amarelo no chão me chamou a atenção.. ela estava abaixada catando as tachinhas do quadro de cortiça que usava para fixar os compromissos. Compromissos.. hoje são bobagem.

Sorrimos um para o outro e o meu desespero se misturou com a calma frustrada dela. Entreguei o relatório e pude conhecê-la, sem o pé na minha bunda. Pois descobri que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. O pé foi pesado na bunda dela, ou melhor, ela foi despedida. Essas faltas de respeito eram - por ela - motivo de brigas nossas que não vem ao caso discutir agora, mas quero te contar que o sexo depois disso era uma beleza.

Café, pizza, livraria, parque. Cinema, parque, café, noites. Bebidas, pizza, beijos, amassos. sexo. café. sexo, sexo e sexo. alguns beijos e mais sexo. café e parque. e o ciclo ia ficando cada vez mais diversificado, meu amigo. Eu não pude reclamar, mas quando o fiz, fui apresentado à família e tive a obrigação velada e social de apresentá-la aos meus parentes restantes. Vô, vó, aqui está a possível futura "neta" de vocês. Não, ela não é uma irmã.. na verdade parece uma, mas o que fazemos não é considerado incesto.

Alguns anos e eu podia jurar que tudo corria bem. Bom, dentro dela tudo corria, não sei se bem, mas corria. Janine tinha a mania de ter pressa pra tudo. Mesmo quando diz ter entrado na "vibe sossegada", ela tinha um formigueiro correndo pelas veias, picando cada pequeno pedaço de seu corpo que poderia relaxar. A cabeça sempre a mil. Cada palavra, uma nova associação e sempre uma discussão. Eu nem reclamo, já te contei que depois da discussão o sexo é bom, né? Pois é, então eu gostava desse jeitinho complicado dela de ver e fazer as coisas. Tipo fazer três sanduíches de mini pão com queijo branco e depois encher de doce de leite, só pra saciar logo a vontade de sobrepor sabores. Ou a mania desesperadora de sair de casa com uma tonelada de corretivo pra olheiras e mais dois litros de silicone no cabelo.
Mais uma vez, eu não reclamo, prefiro silicone no cabelo do que no corpo. Porque vou te contar, que corpo. Ali não faltava nada. Podia até sobrar, segundo sua consciência hipócrita. Janine pregava que não concordava com a ditadura da magreza. Mas tava sempre podando alguns exageros, correndo, usando roupas básicas e que "alongam". Ok, eu gostava do que se deitava do meu lado todas as noites.. e ela sabia disso.
Usava e abusava da minha boa e má vontade e sabia direitinho como me distrair de uma leitura pra rolar no chão da sala. Uma vez a coisa foi tão forte que a vibração das vassouradas do vizinho de baixo fez o orgasmo ficar mais intenso.

Pois bem, Janine era avassaladora. Criança, madura, divertida, linda. Mas ela não se bastava. Procurava tanto alguma coisa nova que quando conseguia nem curtia, já achava que era velho e queria outra coisa nova. Me surpreende termos durado tanto.

Mas aí que tá a lei do caso e acaso. Eu reclamei, pensei que ela era realmente um pouco problemática e mesmo que eu gostasse disso, eu fiz a besteira de me abrir com ela. Contei que eu adorava o jeitinho indeciso dela de saber se terminava as sessões de clareamento dental ou se juntava dinheiro para alugarmos um apê maior. Besteira minha. Aí ela começou com aquele papo de individualidade, de prioridades, de profissionalismo. Besteira, grande besteira minha.

Ficou uns dois dias meio monossilábica e no terceiro dia, o dilúvio. Tpm, telefonema da mãe, unha quebrada e dor nos rins. Eu fiz um chá, mas acho que piorei as coisas. De repente eu me vi na frente de um rádio com uma boca enorme, de onde saíam palavrinhas que flutuavam com pontos de exclamação por toda a parte. Ela surtou, sério que surtou.

Passou a noite encolhidinha e eu fui lá né, tentar dar um chamego, aquelas coisas que a gente faz pra manter o relacionamento cômodo. Ela ficou quieta. Certo que pensou "demorou, paspalhão", mas adorou os carinhos na nuca. Eu sei que adorou.

Depois de algumas desculpas e uns beijinhos doces ela foi trabalhar. Deixou o celular em casa. Ligou da agência nova de publicidade que abrira umas semanas atrás e disse que teria uma festa com os funcionários pra inaugurar algumas salas. Avisou que voltaria tarde.

8 e meia da manhã ela abre a porta meio descabeladinha, mas a maquiagem não tava borrada. Ufa, se a maquiagem estivesse borrada eu sairia batendo porta. Ela entrou com a pontinha dos pés e fechou a porta. Se virou e derrubou os sapatos de susto quando me viu sentado no braço do sofá bebendo café e lendo o jornal vencido. Sorriu e disse "Oi amor". Se escapou pra dentro sem nem um beijo de bom dia. À essa altura eu nem considerava uma conversa pra saber onde ela passou a noite.. eu achei estranho demais ela ter entrado direto pro banheiro se declarando culpada de alguma coisa.

Fui até o quarto e perguntei. Ela disse que eu não deveria sufocá-la, afinal de contas, nós apenas namoramos. "Apenas namoramos"? Ah tá, desculpa, eu vou perguntar isso ali pro seu João, já que ele é apenas um jornaleiro e nós "apenas temos uma relação cordial". É assim Janine?

Olha só, eu acho que a gente tem que repensar a nossa relação aqui. Eu fiquei a noite toda conversando sobre propostas no exterior e acho que isso seria bom pra mim. E pra nós.

Ela disse isso olhando pra mim de rabo de olho. Safada, eu sabia que alguma coisa de ruim tava correndo naquela cabeça. A Janine tinha dessas de passar dias calada e de repente quando abre a boca vem uma avalanche de informações acumuladas você não sabe nem de onde. Esse desequilíbrio dela me encantava. Aparentemente a minha observação minuciosa do que ela era e fazia não causava o mesmo frisson.

Do mesmo jeito que as águas se abriram quando Moisés quis, ela resolveu catar as coisas e disse que iria passar uns tempos na casa de uma tia no Rio de Janeiro. Até aonde nos lembramos, leitor, ela falava de exterior.. Porto Alegre - Europa não é tão mais caro que Rio de Janeiro - Europa, ainda mais considerando a urgência de um plano criado em uma noite. Eu sei lá, ela se foi e providenciamos o cancelamento do contrato com a imobiliária. Essa foi a parte mais correta, legamente falando, que passamos. Tinham regras, consequencias, objetivos claros. Nada era claro naquela relação, senão seus cabelos.

Dado esse fim, volto ao início. Nos conhecemos e já nos tornamos indispensáveis um para o outro. Não criamos a conquista com gosto de impossível, nem tivemos grandes obstáculos. Simplesmente seguimos os nossos desejos e ficamos juntos. Sem expectativas, sem frustrações. Mas.. e isso que eu sinto agora apunhalando o meu peito é o que, senão frustração vencida com vermes corroendo tudo o que a gente plantou junto?

Tem como começar um amor e terminar um amor sem planejar ficar velhinho, ou jogar frescoball com os filhos, ou beber vinho de noite, ou sei lá mais o que que se planeja? Tem como? Porque eu não fazia nada disso. Eu vivi de momentos com a Janine e agora fico pensando se ela ficou frustrada também. Fico pensando se a falta de expectativas por minha parte deixou ela se apagar, se confundir, se escapar. Ela planejou as sessões de clareamento dental e de repente se deparou com o aluguel de uma nova casa. Ela criava sim, expectativas. Ela pensava no futuro. Eu só a observava, registrando cada movimento seu, cada segundo que se passava eu respirava um pouco de ar de Janine. Não vivi passado, não vivi futuro.

Estou condenado a ter vivido pelo presente.