sábado, 9 de abril de 2011

lift your open hand.. and kiss me

Quando ela finalmente conseguiu deixar as coisas de lado pra se encontrar, se concentrar em si, tudo virou de cabeça pra baixo e agora, May, não tem jeito: vai ter que encarar. Recebeu a ligação e não pôde dizer que se incomodara mais cedo com as contas bancárias, pois isso o chatearia. No mais, acho que nem chateação era o problema.. May queria ser independente e não conseguia aceitar o fato de que até que nos tornemos nós mesmos, estamos sendo os outros também. Por influência, identificações ou carência, necessidade de se colar no outro pra poder se constituir, ser um Eu. Ela não entendia isso, queria ser só, mas ao mesmo tempo, veja só, há medo melindrado com pinceladas de mel. Medo de ficar só.. mas um medo doce, como o das abelhas, um medo que a fazia vítima, criança, inofensiva quase.

Quando May mudava de ideia, sabia que isso fazia parte dela e de algum jeito, por mais perturbador que fosse, ela aceitava que era sim um tanto complicada e seguia a vida. Era uma autenticidade meio contraditória, algo que ela se envergonhava quando parava pra pensar.
Deixe-me explicar, pois até eu me confundo quando conto de May.

Um tempo atrás ela conheceu George em circunstâncias bem... digamos assim, improváveis de haver atração. Mas ele gostou dela, sabe-se lá o porquê. Após alguns anos de uma amizade que a favorecia, ele desistiu de tentar fisgar seu gosto e coração e congelou suas investidas. Ela, por ter sentido falta do carinho garantido, começou a ir atrás desse estonteante rapaz que a conquistara por uma paz no coração difícil de se ver hoje em dia. Ele era o típico boa praça, que não se estressava por pouco e dificilmente por muito. Os dois poderiam se completar. A calma dele com a neuroticidade e rabujentisse dela.

Tudo poderia correr bem, pois agora May gostava de George e George ainda não esquecera May. Mas aí ela fez o que faz de melhor, e ao mesmo tempo o que a condena. Ela pensou um pouco mais.
Pensou e viu que não gostava dele, que por sua carência excessiva de atenção e dengo, ela o atraía porque ele gostava de cuidar. Mas ela pensava que logo após ele satisfazer suas necessidades mais imediatas, ela perderia o interesse por ele.
Evidente que tudo no mundo da suposição.. ela ainda não tinha arriscado. Mas como então conseguir diferenciar a carência do amor?
Será que quando nos relacionamos estamos satisfazendo nossas próprias carências; ou preocupamo-nos verdadeiramente com o outro também?
Digo, o amor é uma projeção de si? É algo tão egoísta assim?

Pimba. May pensou e tudo desmoronou na sua cabeça. O problema que antes era de George passou a ser dela e lágrimas rolaram. O que May queria mesmo era ser mais auto-suficiente, não precisar do carinho e dinheiro alheios.. mas que difícil ser só. E assim ser pleno.
É possível?

Dá pra se descolar? Ou melhor, acho que a pergunta se volta para algo mais pessoal e profundo: qual a necessidade de se descolar? Pra que não poder depender do carinho de George? Porque essa vontade de ser tão.. solta, May?
Você mesma disse que não queria coisas fragmentadas, que queria algo inteiro. Como assim? Será que você quer algo e não consegue admitir? Por que não admitir..? O que está por trás disso e é tão difícil de falar?

Seguimos na próxima, May?

domingo, 3 de abril de 2011

say something before it's too late

Hoje não existe autora que me ajude. Não há crônicas cabíveis, textos que encaixem, versos que façam o trabalho por mim. Eu é que preciso entender e interpretar o que acontece. Nem Clarice, nem Marthinha, fiquei na mão. Na minha mão. Pensei nele mais uma vez, de forma suave, mas provocou uma náusea mais angustiante do que todas as subsequentes à noite anterior. Não há conhaque misturado com vodka e uns goles de cerveja que provoque confusão tão grande como esta, a confusão de não saber, apenas sentir.

Procurei algum texto que pudesse me dizer alguma coisa, procurei material pra comparar, interpretar, pra forrar a verdade que se mostra tão crua. Pensei nele mais uma vez, de forma suave, e agora não consigo lidar com o pensamento em si. Preciso de um atravessamento, de um mediador. Tão logo vi que nenhum escritor me ajudaria, pensei em mim. O Eu escritor que aqui vos fala é quem tem a resposta, já diria minha psicanalista. Mas como acessá-la?

É bem verdade que o lance amornou, mesmo que nunca estivesse fervendo. Ou.. minto, naquela noite de chuva em que falávamos até a madrugada dar voltas, senti meu coração ferver e acho que aí se instalou o perigo. O perigo de gostar de alguém e achar que isso é recíproco.
Não sei sanar a dúvida da carência x interesse, mas alguma coisa aconteceu, me diga você. Preciso escutar e sentir que parte de você também essa sintonia mística, esse desejo de conversar sobre tudo menos nós. De repente, ele aparece com outra vida, outros rumos. Pode ser que não esteja tão fora do rumo que ele escolheu, mas certamente passou longe do que eu imaginava. Aí, caro leitor, mora a minha inquietação.
Pensemos; até que ponto o que eu penso a respeito de uma dada situação realmente acontece? Digo, não a premonição, mas quando sentimos que o outro também está conosco nesse mar de dúvidas e atrações. Eu achei que estivéssemos em sintonia, mas ao que parece não.
E o pior, entenda, não é eu ter percebido isso. Antes fosse, aí eu e meu pensamento teimoso cairíamos fora. O que lambuza a questão é que ele ainda joga nesse time, ele ainda lança a bola, ele ainda participa de um jogo cujas regras ele próprio burlou.
O que eu, como jogadora e juíza, posso fazer? Sou juíza de mim e executo a função de agir ao mesmo tempo, é um tanto confuso, cá entre nós.

Ele, eu, queremos o que?
Hoje pensei nele estudando e eu indo tirar um pouco a sua concentração. Sentei em seu colo e fiz carinho no cabelo atrás das orelhas. Ele tirou os óculos, sorriu cansado e eu o beijei. Era um beijo molhado, levinho, suave - assim como a minha lembrança. Mas aos poucos suas mãos foram percorrendo o meu corpo e os seus braços me prendiam num universo em que eu definitivamente não queria sair. Seus beijos ficavam mais profundos, fortes, exigiam mecânica de tantos músculos que descobrimos juntos. A respiração fica ofegante, nossos corpos suam e enfim algo ali se instala: a reciprocidade.

Minha lembrança ainda não atingiu o nível ardente que aqui relato, por uma única ponderação: posso? Me responda você, de qualquer forma, posso plantar a semente?
Não sei se depende mais de mim ou de você. Minha psicanalista tem a opinião dela, mas por ora eu desconsidero e me dou, me entrego. Posso?

Isso que sinto nem a chuva mais concreta poderia confortar.