Jolie Laide
Os personagens de meu romance são minhas próprias possibilidades,que não foram realizadas.É o que me faz amá-los,todos,e ao mesmo tempo temê-los.Uns e outros atravessaram uma fronteira que me limitei apenas a contornar.O que me atrai é essa fronteira que eles atravessam(fronteira além da qual termina o meu eu).É somente do outro lado que começa o mistério que o romance interroga.O romance não é uma confissão do autor,mas uma exploração do que é vida humana na armadilha que se tornou o mundo.
sábado, 14 de janeiro de 2012
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Penso na fábula do sapo que é colocado em uma panela com água quente. Se o colocamos na panela com água fervente ele pula, sofre agonizando. Se o colocamos na água fria e a esquentamos gradativamente, ele ali fica, até morrer cozido. É o costume, hábito que nos cristaliza.
Como começar a ler de tarde e quando vai escurecendo não percebemos a falta da luz. Alguém chega e liga a luz. Repare que pensamos em como não havíamos nos dado conta do quanto a luz estava fazendo falta.
Esse costume de ficar em um lugar desde sempre talvez não desperte na maioria o sentimento de despedida constante. Eu vivo na iminência de ir embora e quando isso de alguma forma diminui o ritmo, me deparo com a mais assustadora versão de mim mesma: a que gostaria de experimentar ficar mais um pouco. Descobrir um pouco mais, se vincular.
Por bastante tempo me coloco em posição de resistência e sofro com isso, afinal de contas, acredito que todos precisamos de boas companhias, que nos tragam sensação de conforto, alegria. É com o outro que nos relacionamos e só a partir disso é que nós descobrimos. Dado isso, fico perdida no meio de dúvidas ambivalentes que me fazem repetir atos contraditórios, insistir em pensamentos cíclicos e recolocar no meu território "novos" questionamentos acerca do que eu realmente quero. Lá no fundo, o que eu sinto.
Já vi que gosto de pessoas que estimulam a descoberta dos meus desejos; quando escuto isso me emociono, sinto que é custoso colocar o meu Eu pra fora. Eu posso até culpar meus pais e dizer que existia uma faixa grandiosa de repressão em todas as expectativas que eles depositam em mim. Mas a culpa não é só dos pais. Grande parte das relações de poder se configuram pela aceitação tácita, pelo consentimento, porque nos encaixamos naquele lugar ao qual fomos destinados. A culpa também é nossa e ninguém deve pedir DESculpas, pois elas não saem mesmo.. são papéis que ocupamos invariavelmente na vida.
Sinto que preciso estar no caos do meu dia a dia, que me faz bem, que me alimenta, que me sufoca e me estressa, mas me movimenta. Sou uma pessoa que precisa estar em constante movimento, caso contrário não acredito em mim mesma. Preciso me ver errando e acertando pra entender o que eu desejo. Parada, meu pensamento dá voltas e não chega a lugar nenhum.
Se, fisicamente não conseguimos sair do lugar, como nos afastar dessa onda gigantesca de preguiça que nos assola? A mente teria a capacidade de nos transportar pra outro lugar?
Pra entender porque quero tanto e tão rapidamente sair daqui, tenho que descobrir o que tem dentro de mim de tão inquieto e diferente, que não se permite sair e simplesmente ser.
sexta-feira, 8 de julho de 2011
talk
e é por isso que eu disse pra ele que de uma vez por todas a hora era essa! se a cabeça tá uma confusão, então para tudo e vai dar um jeito de se tratar sozinho e longe de tudo. esse papinho de fazer coisinha aqui e ali junto com trabalho e relações é balela. isso significa administrar. você tá sabendo isso agora? não, né?
então se fecha um pouco e se abre pra dentro. entende?
arranja um jeito de não precisar das pessoas por um pouco de tempo. veja só um psicólogo agora me mataria de sermões dizendo que o homem não é uma ilha e que precisa do outro pra se enxergar.
mas, meu caro profissional.. se eu não encontro o outro nem em mim, se eu não sei nem onde eu tô e o outro não pode se refletir em mim (porque eu não sei se estou inteiro), então a relação não rola, certo?
é um processo simples. senti que ele tá meio despedaçado, fazendo as coisas por automático.. tem que chegar às 8, tem que sair ao meio dia. tem que comer porque tem que ficar disposto de tarde porque começa cedo. e acaba tarde e já emenda com aquele outro compromisso que exige que a cabeça segure a barra mais que o corpo. no fim do dia você já é a réplica do corcunda de notre dame e nem percebe.
Chega em casa e parece um robô. saiu da carcaça, passou uma água quente fingindo que relaxa. tomou um chá, um pão, leu até sentir os olhos saltarem da órbita. viu o noticiário lotado de bombas. dormiu achando que isso poderia relaxar. nem o corpo, né benzinho, porque a cabeça ainda tá a mil.
sonha, se mexe, acorda meio tonto. o despertador, o frio. um café e a coisa logo se resolve porque o plano é ficar sempre alerta.
saiu de casa e a coisa vai se repetindo, mesmo que a gente refaça a rotina. o plano é sempre estar ligado, acordado, pensando e fazendo pensando e fazendo pensando e fazendo.
quando o sistema dá o tilt e o copo enche... como faz?
aí sim que eu te digo que o meu conselho serviu, sabe? ele tava meio zumbi já. e o pior é que ele se relaciona com as pessoas assim! aí caga tudo sabe.. ele fala uma coisa, pensa outra e faz outra totalmente diferente das demais. se confunde, confunde o outro.. no fim é uma babilônia. acho que no fundo ele vai atrás do caos. sabe-se lá porque, se ele gosta.. acho que nao né, ele tá meio cansado, dá pra ver.
disse até que chorou quando falou com aquela moça lá do aconselhamento.
o negócio, senhor, é que eu acho que ele precisa de mais ajuda. ele tá muito atucanado.. será que o senhor não podia, assim, dar uma aliviada?
tipo assim, só um pouquinho pra ele poder dar uma relaxada.. coisa rápida. isso revitaliza eu acredito.
a gente sabe que a sociedade pede né.. é o seu papel responder a isso e criar todas aquelas formas de se portar. mas quando isso não faz mais sentido eu que levo a culpa de não conseguir me expressar!
e no fim eu também fico meio mal.. eu tento falar nos sonhos e ele acorda cansado, sem nem querer entender o que é. quando eu mudo as palavras e ele se engana, ele fica brabo.
na verdade acho que ele não tá muito afim de pensar ultimamente.. tá cansado mesmo.
vamos fazer um trato! eu te peço uns dias sem censura moral e tantas exigências e prometo que faço ele se aquietar no processo de volta à realidade. eu paro com aquelas coisas de apego materno, ciúme do pai e as invejas de poder. prometo que uns dois dias eu seguro a barra.
ahn? mais? ah, mas aí é pedir muito.. se não tiver a castração eu nem me manifesto né?
tá. livro ele de pensar nisso por um dia. um só! deu, né?
ó, é o seguinte. falei com o super ali e ele meio que deu uma afrouxada.. eu fiz lá meus sacrifícios, vou tentar manter mas sabe como é né.. "sonho não controla" hehe.. não não, vou cumprir sim. tranquilo, vou dar essa relaxada aí.
mas aí depende de você agora ô do meio, faz ele pensar aí em tirar um tempinho pra suspender as estruturas. falou?
o que? ele vai acampar? beleza. é ótimo isso, sem preocupações, tranquilo, em paz e contato com a natureza, só ele e o ar.
como assim ela vai junto? mas o propósito de tudo isso não era entender porque ele se sentia assim com ela?
peraí ela não pode ir junto! não não não, tira ela daí, inventa algum pensamento pra ele desistir de levar ela. ai, tanto esforço eu tive em tirar o super da jogada, meu.
É foda vou te contar, eu todo incontrolável aqui cheio da fissura de mandar uns chistes e tu me bancando essa companhia do mal aí ô?
Vou te dizer. manda ele ir acampar sem a solidão. ela não faz bem pra ele e eu achei que essa função toda fosse ele tentar entender porque ela não desgruda dele.. logo agora ele não pode ir acampar sozinho?
isso aí, isso aí, dá umas mutreta pra ele sair do ar. libera o álcool que a coisa fica boa e ele só dorme sem se preocupar tanto.
fechado? olha, mantém o plano hein.
ser inconsciente não é fácil, tô armando todo o bagulho aqui. tô mais ligado que vocês dois juntos. como eu desligo aqui? pode dar um pause?
quando a teoria ajuda
Apontamentos acerca das territorializações de si
“Quando Pedro me fala de Paulo sei mais de Pedro que de Paulo”
Sigmund Freud
Inicio esse escrito com a frase que para mim marca teórica e analiticamente as obras freudianas que conheço. Considero o estudo da Psicanálise enquanto campo teórico que orienta a prática profissional até a utilização deste saber para nortear todos os outros campos que consideramos “nossos”, no aspecto afetivo e laboral. Penso que Freud quis expressar que todo e qualquer discurso é dado através de um ponto de vista, e por isso está de alguma forma contaminado por saberes e tendências de quem o enuncia. A escolha de um tema para um trabalho é, a meu ver, uma tentativa de elucidar claramente os desdobramentos que de uma questão norteadora se multiplicam. No presente escrito, considero a análise da minha experiência de vida enquanto filha de um oficial militar, moradora de 8 cidades brasileiras em 20 anos de vida, estudante e eterna pesquisadora do comportamento e pensamento humanos como questão que dispara intensos questionamentos acerca das apropriações territoriais que praticamos no decorrer de nossas vidas.
Acredito que nesse sentido de se falar algo que se queira descobrir, a Psicanálise novamente venha a nos auxiliar com ferramentas conceituais. A escrita para mim é instrumento catártico, é via de escape e encontros, estrada para destinos e trajetos clarificadores, enriquecedores. Se algum dia Sigmund Freud e Josef Breuer juntos tentaram desvelar os benefícios que um paciente teria ao discorrer sobre suas questões problemáticas, hoje este processo de “cura pela fala” é demonstrado aqui como forma de aproveitamento do conteúdo pessoal à nível acadêmico. De certa forma, seria possível separá-los?
No campo de análise das práticas profissionais, muitos atravessamentos particulares são descobertos no trajeto que revela a implicação de quem se propõe ao trabalho. Gregório Baremblitt (1992) considera a análise desta implicação como elemento fundamental para apropriação do processo interventor. Acerca do que o profissional enquanto operador de um serviço oferta para uma dada faixa da população, o autor refere que
“(...) se a análise da implicação é a análise do compromisso sócio-econômico-político-libidinal que a equipe analítica interventora, consciente ou não, tem com sua tarefa, ela começa pela análise da implicação existente na oferta, ou seja, na produção da demanda.” Pg 96
Desta forma, entende-se a implicação enquanto grau de comprometimento do interventor com seu objeto e objetivo de intervenção. Para além de um compromisso ético, acredito que o que conduz o profissional na direção de um trabalho implicado geralmente mobiliza os demais aspectos e campos de sua vida. Uma produção implicada é embebida de gás, paixão, conteúdo. O autor menciona que a apropriação de um tema e sua conseqüente curiosidade acerca de novas descobertas pode pautar-se a partir do que denomina “auto-análise”. Segundo Baremblitt, a auto-análise atua enquanto propriedade do saber de si, por meio de estratégias de reconhecimento dos seus próprios desejos, anseios e possibilidades.
“A auto-análise consiste em que as comunidades mesmas, como protagonistas de seus problemas, de suas necessidades, de suas demandas, possam enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um vocabulário próprio que lhes permita saber acerca de sua vida, ou seja: não se trata de que alguém venha de fora ou de cima para dizer-lhes quem são, o que podem, o que sabem, o que devem pedir e o que podem ou não conseguir. Este processo de auto-organização, em que a comunidade se articula, se institucionaliza, se organiza para construir os dispositivos necessários para produzir, ela mesma, ou para conseguir os recursos de que precisa para a manutenção e o melhoramento de sua vida sobre a terra.” Pg 17
Estaria ele se referindo ao que compete ao domínio do indivíduo? Me refiro ao que é pertencente à construção subjetiva do homem, enquanto espaço de (re)conhecimento de si. Desta forma, utilizo a partir daqui o conceito de território para tentar ilustrar a forma como entendo a composição de territorializações, desterritorializações e reterritorializações num plano mosaico de encontros e significações tendo como pano de fundo a análise de si.
O aporte teórico que embasa minhas suposições parte da leitura do Compêndio de Análise Institucional, escrito por Gregório Baremblitt, com foco na análise de implicação e estudos de Felix Guatarri e Gilles Deleuze acerca das delimitações territoriais no plano existencial.
No plano biológico, o território é nomeado área que está sob posse de um animal, pessoa, instituição ou organização; e cujas leis operam para criar ordem e hierarquia. No geográfico, uma superfície terrestre pertencente a alguém, geralmente ao Estado. No plano existencial, a geografia humana me faz pensar que o corpo se inscreve enquanto território a partir de suas movimentações; perpassa demais territórios deixando uma marca. Como um animal que deixa um faro e aí “marca território”, o ser humano tem diferentes formas de criar vínculos, territorializar-se, desapegar-se, desterritorializar-se e recomeçar o processo, reterritorializando-se.
Zilá Mesquita (1995) traz a abordagem de um território que vai além do plano geográfico e concreto, provocando o leitor a pensar que a delimitação de uma área está intimamente relacionada ao conceito autêntico de soberania. Um território é considerado como tal quando esta sob o poder de alguém e, portanto, responde às leis e à jurisdição local. No território de si – expressão que tento compreender -, penso que este é um espaço em que o sujeito pôde se apropriar. Suas crenças, hábitos e costumes fazem parte de algo que está sob o seu controle, sob o domínio e caráter conhecido do sujeito. A autora menciona que a extensão do território define o campo de aplicação do poder que seu dono exerce sobre ele. Nesse sentido cabe pensar que o homem controla o seu território e ao mesmo tempo consegue jogar com os limites deste controle. O apego a terra – aqui entendida não apenas em sua acepção geológica, mas enquanto cenário do exercício e desenvolvimento humanos – pode ser considerado uma apropriação, uma territorialização. Mesquita (1995) refere que
“O território é o que é próximo; é o mais próximo de nós. É o que nos liga ao mundo. (...) É o espaço que tem significação individual e social. Por isso ele se estende até onde vai a territorialidade, aqui entendida como projeção de nossa identidade sobre o território.” Pg 83
Existe uma demarcação de território que compete à defesa de um espaço onde operam elementos de uma identidade. O conceito de identidade pode ser definido como uma articulação de aspectos individuais que caracterizam uma pessoa. No entanto, a identidade pode ser entendida enquanto plural, constituída a partir das relações sociais. Por compreender o processo de permanente mudança que os encontros nos possibilitam, tem o caráter de metamorfose. Penso que ao se relacionar com um espaço, ocupar ema faixa de terra que impulsiona a criar vínculos, o homem crie raízes no território e relações quem o habita. Este processo de vinculação e apropriação dos modos de ser e ocupar pode ser interpretado enquanto processo de territorialização. Seria o homem adquirindo, descobrindo e assumindo as suas territorialidades.
Felix Guatarri e Suely Rolnik (1986) afirmam no livro “Micropolítica: Cartografias do Desejo”, que:
“A noção de território aqui é entendida num sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que fazem dele a etologia e a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente ‘em casa’. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos”.Pg 323
Se pensarmos na territorialização como processo de apropriação, tomada de conhecimendo e criação de vínculos, fica clara a tentativa de conhecer e dominar este espaço cósmico para que ali ordene uma lei, uma criada a partir da dimensão já conhecida do indivíduo. Gregório Baremblitt traz na mesma obra já citada o conceito da dimensão instituída em uma análise. Grosso modo, o instituído é aquilo que conhecemos e sabemos como lidar. Aos poucos instituímos diversos territórios no decorrer de nossas vidas. Formas de habitar e permanecer habitando e habituado são modalidades de institucionalizações. Quando se rompe este processo? De que forma o homem sente que basta o que já conhece e o que o impulsiona a desbravar algo novo?
Antes de entender esta ruptura, é preciso esmiuçar a relação que os indivíduos travam com esta terra. Só assim se atribui um valor e a partir daí se engendram novas possibilidades para novas conquistas.
Historicamente, o sistema no qual o homem se subjetiva configura e influencia diretamente sua forma de se desenvolver, criar relações e fazer escolhas. No plano econômico-social, o capitalismo possui a premissa da propriedade privada enquanto direito do cidadão de se apoderar de um espaço e fazer nele operar suas leis. Evidente que é uma operação não dissociada do resto do mundo, e neste sentido é importante pensar no quanto o indivíduo é realmente mestre de seu espaço e ao mesmo tempo depende do/ é afetado pelo/ afeta o que acontece “fora da redoma”.
“A propriedade privada compreende os poderes de usar, gozar e dispor de uma coisa, a princípio de modo absoluto, exclusivo e perpétuo. Não podem, no entanto, esses poderes serem exercidos ilimitadamente, uma vez que colidiriam com direitos alheios, de igual natureza e porque existem interesses coletivos que podem limitá-la. Assim, por exemplo, o poder público pode desapropriar uma propriedade privada, se for usada para benefício múltiplo e comum.”
Novamente a noção de domínio paira sob esta análise. O homem que possui o território e faz dele algo privado, seu, confirma a hipótese de que este é o objetivo por trás da apropriação. Estaríamos todos procurando algo que seja intimamente e exclusivamente nosso?
Partindo da idéia de que território adquirido/conquistado é um espaço de estabilidade e organização, o processo de desterritorializar-se seria uma ação de desordem, de fragmentação para buscar encontrar novos saberes, menos instituídos, adotando uma percepção diferenciada que está pronta para descobrir novas idéias além das previstas. Nesta perspectiva, Baremblitt conceitua a dimensão instituinte que propõe o acréscimo de elementos desconhecidos para que se transforme um plano instituído em algo ainda não dominado/desbravado.
O conceito de desterritorialização consiste em adotar um chamado “olhar estrangeiro” para as coisas à nossa volta. Segundo Ianni. (1996),
“(...) o sujeito do conhecimento não permanece no mesmo lugar, deixando que seu olhar flutue por muitos lugares, próximos e remotos, presentes e pretéritos, reais e imaginários”. Pg. 169
Os agenciamentos que se fazem nesta terra cuja relação é travada com o homem inscrevem relações conectivas. Entretanto, Guatarri e Deleuze discorrem acerca do conceito de desterritorialização mencionando o Estado enquanto figura responsável por considerar o trabalhador “solto”, que vende sua força de trabalho desvinculado de um plano fixo. Em uma leitura minuciosa da obra dos autores, Rogério Haesbaert e Glauco Bruce (2002) mencionam:
“(...) O Estado constrói novos agenciamentos, sobrecodifica os agenciamentos territoriais que constituíam as sociedades pré-capitalistas, configurando novos agenciamentos maquínicos de corpos e agenciamentos coletivos de enunciação”.
Desta forma, a ideia de desterritorializar-se estaria muito próxima da ideia de desvinculação a uma terra que identifica e comporta características constitutivas de cada indivíduo. Assim, tudo se trata de um novo processo que se assemelha ao método dialético proposto por Hegel e Marx. Estaríamos no plano da tese quando nos apropriamos de um território. Adquirimos a faceta da antítese quando nos questionamos acerca do que já fora conquistado e do que ainda há para ser descoberto. Após nos territorializarmos, desterritorializarmos... o que resta? A proposição da síntese me parece familiar quando se pensa em reterritorialização. O ser humano precisa de raízes e de um processo que o englobe, que engrene os agenciamentos que constrói no decorrer de sua trajetória.
A reterritorialização seria simplesmente transferir a um novo território as novas possibilidades instituintes e criativas? Reterritorializar-se poderia ser criar com uma nova terra uma nova história, novos agenciamentos de hábitos, criar com esta relação possibilidades de se recriar. A bagagem de uma apropriação antiga atravessa este novo processo de apropriação? Apoderar-se novamente e fazer valer o conhecimento adquirido nas demais conquistas. Desta forma, o processo é alimentado e não cessa nunca.
“Novas práticas sociais, novas práticas estéticas,
novas práticas de si na relação com o outro, com o
estrangeiro, como o estranho: todo um programa
que parecerá bem distante das urgências do
momento!”
(Guattari 1995)
Todo nascimento pede nova identidade
Ocupação do espaço existencial
Toda identidade deseja transformar
Territórios linhas a nos permitir
Fios conduzem eletricidade
Movimentam os homens
E suas cidades
Cérebros são cidades
Corrente de intensidades
Pensamentos condensados sensação
Funcionam como elos
Formando mapas a nos constituir
Mente saber anelo, porque vivo?
Lugares nem sempre vistos, são descobertos
Habitam em nós, embrutecidos
Somos afetos sentimentos a nos conduzir
Ualy Castro Matos
Referências Bibliográficas
· HAESBAERT, R.; BRUCE, G. A desterritorialização na obra de Deleuze e Guattari. GEOgraphia, ano IV, n. 07, 2002;
· BAREMBLITT, G. Compêndio de Análise Institucional e outras correntes: teoria e prática. Glossário – p.133 – 173) Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1992;
· MESQUITA, Z. Territórios do cotidiano. Cap.7 - Do território à consciência territorial, 1995;
· GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. Petrópolis, RJ: Vozes, 7ª. Edição Revisitada, 2005;
· IANNI, O. Teorias da globalização. 3. ed. Rio Janeiro: Civilização Brasileira, 1996;
domingo, 3 de julho de 2011
estonteante
" o que?"
.
"é isso?"
se levantou com impulso brabo de quem está sem entender. assim como ela, que permaneceu deitada de costas para ele, quieta, serena, derramando uma lágrima absorvida pelo travesseiro. procurou suas roupas. ela levantou e foi até a sala. enquanto ela se vestia ao lado da estante de livros, ele procurava sua calça debaixo da cama.
se encontraram e ela evitou o seu olhar. pegou suas pantufas, pediu desculpas por fazê-lo ir embora tão tarde.
"pegou suas chaves?"
"aham"
desceram, ela precisa abrir os portões para oficializar a saída.
"desculpa, eu tô passando por um momento confuso e não acho justo que você participe."
"tudo bem.. eu só queria entender o que aconteceu"
a expressão na face do rapaz era de desavença. não entendia, se revoltava, mas seus olhos amendoados ficavam mais brilhosos quando se deparava com a confusão da moça.
"não quer falar?"
com uma lágrima sendo formada "não".
"tá bom". deu um beijo em sua testa, outro na face. e foi.
ela voltou chorando, entrou em casa e o choro veio acompanhado de gemidos. sentou, chorou. levantou, andou, sentiu frio e calor e não entendia porque tinha feito aquilo.
recapitulou a noite. transmissão de pensamento e ele veio buscar um objeto que havia esquecido. algum papo e saíram em busca do vinho. voltaram, viram um filme, ele não prestou atenção. ela pôs os óculos, ele disse que ela lembrava uma antiga amiga dele. ela não gostou.
ela prestava a atenção nos detalhes do filme, ele ficava olhando pra ela e dizendo que ela estava distante.
ele disse que não estava entendendo o filme e que não gostava de gays. ela achou um absurdo, mas sorriu e disfarçou. tirou o filme, pegou uma pizza e colocou outro filme.
os dois viram o filme comendo, se abraçando.
ele tentou uma vez e ela disse que era preciso ter clima. ele esperou, parecia acompanhar o ritmo errante da moça.
o filme acabou, os dois se entrelaçaram e ela parecia estar, então, no clima.
fizeram o que puderam para que ela entrasse em seu ápice e logo, quando a preguiça bateu, ela disse "saí do clima.."
aí o desentendimento começou. desencontros em um cômodo. em uma peça. em uma cama, sob o mesmo lençol.
tão perto, mas tão longe um do outro. ela queria mais cortesia, ele provavelmente menos drama. ela é dez anos mais jovem, mas às vezes a diferença é insignificante.
ela queria que ele fosse algo que ele não é. descontou nele suas frustrações e ideais.
no filme, duas moças partiram para uma viagem de descobertas. ela queria viajar para o mesmo lugar. uma conservadora, descobriu seu lado impositivo e desenfreado. a outra, liberal, soube se ouvir e sentiu que às vezes precisa de uma referência fixa, algo em que ela possa se apoiar.
as duas se descobriram em si, com suas diferenças.
ela achou que conseguisse levar esse envolvimento com leveza, mesmo não sendo de um todo leve. seus pais, ah, seus pais.. o que tem eles?
gaela, aprenda, o desejo é seu. não deles.
um medo tremendo de se envolver e aí não saber se deve ser independente, autônoma. tem sua vida e conquistou seu território. quem ousar ameaçá-lo é posto pra fora.
ela derramava lágrimas no travesseiro e pensava: 'manda ele embora.. não se contenta com isso. você não quer, tenta falar o 'não'. vai, não fica quieta.. não chora, você é a protagonista".
qual é, então, a diferença entre se envolver e se relacionar? até que ponto todas as relações nos capturam e nos exigem sacrifícios? gaela, retire-se. vá pensar. volte e faça o que quer, sabendo o que quer. tanta confusão não dá em nada.
sábado, 9 de abril de 2011
lift your open hand.. and kiss me
Quando May mudava de ideia, sabia que isso fazia parte dela e de algum jeito, por mais perturbador que fosse, ela aceitava que era sim um tanto complicada e seguia a vida. Era uma autenticidade meio contraditória, algo que ela se envergonhava quando parava pra pensar.
Deixe-me explicar, pois até eu me confundo quando conto de May.
Um tempo atrás ela conheceu George em circunstâncias bem... digamos assim, improváveis de haver atração. Mas ele gostou dela, sabe-se lá o porquê. Após alguns anos de uma amizade que a favorecia, ele desistiu de tentar fisgar seu gosto e coração e congelou suas investidas. Ela, por ter sentido falta do carinho garantido, começou a ir atrás desse estonteante rapaz que a conquistara por uma paz no coração difícil de se ver hoje em dia. Ele era o típico boa praça, que não se estressava por pouco e dificilmente por muito. Os dois poderiam se completar. A calma dele com a neuroticidade e rabujentisse dela.
Tudo poderia correr bem, pois agora May gostava de George e George ainda não esquecera May. Mas aí ela fez o que faz de melhor, e ao mesmo tempo o que a condena. Ela pensou um pouco mais.
Pensou e viu que não gostava dele, que por sua carência excessiva de atenção e dengo, ela o atraía porque ele gostava de cuidar. Mas ela pensava que logo após ele satisfazer suas necessidades mais imediatas, ela perderia o interesse por ele.
Evidente que tudo no mundo da suposição.. ela ainda não tinha arriscado. Mas como então conseguir diferenciar a carência do amor?
Será que quando nos relacionamos estamos satisfazendo nossas próprias carências; ou preocupamo-nos verdadeiramente com o outro também?
Digo, o amor é uma projeção de si? É algo tão egoísta assim?
Pimba. May pensou e tudo desmoronou na sua cabeça. O problema que antes era de George passou a ser dela e lágrimas rolaram. O que May queria mesmo era ser mais auto-suficiente, não precisar do carinho e dinheiro alheios.. mas que difícil ser só. E assim ser pleno.
É possível?
Dá pra se descolar? Ou melhor, acho que a pergunta se volta para algo mais pessoal e profundo: qual a necessidade de se descolar? Pra que não poder depender do carinho de George? Porque essa vontade de ser tão.. solta, May?
Você mesma disse que não queria coisas fragmentadas, que queria algo inteiro. Como assim? Será que você quer algo e não consegue admitir? Por que não admitir..? O que está por trás disso e é tão difícil de falar?
Seguimos na próxima, May?
domingo, 3 de abril de 2011
say something before it's too late
Procurei algum texto que pudesse me dizer alguma coisa, procurei material pra comparar, interpretar, pra forrar a verdade que se mostra tão crua. Pensei nele mais uma vez, de forma suave, e agora não consigo lidar com o pensamento em si. Preciso de um atravessamento, de um mediador. Tão logo vi que nenhum escritor me ajudaria, pensei em mim. O Eu escritor que aqui vos fala é quem tem a resposta, já diria minha psicanalista. Mas como acessá-la?
É bem verdade que o lance amornou, mesmo que nunca estivesse fervendo. Ou.. minto, naquela noite de chuva em que falávamos até a madrugada dar voltas, senti meu coração ferver e acho que aí se instalou o perigo. O perigo de gostar de alguém e achar que isso é recíproco.
Não sei sanar a dúvida da carência x interesse, mas alguma coisa aconteceu, me diga você. Preciso escutar e sentir que parte de você também essa sintonia mística, esse desejo de conversar sobre tudo menos nós. De repente, ele aparece com outra vida, outros rumos. Pode ser que não esteja tão fora do rumo que ele escolheu, mas certamente passou longe do que eu imaginava. Aí, caro leitor, mora a minha inquietação.
Pensemos; até que ponto o que eu penso a respeito de uma dada situação realmente acontece? Digo, não a premonição, mas quando sentimos que o outro também está conosco nesse mar de dúvidas e atrações. Eu achei que estivéssemos em sintonia, mas ao que parece não.
E o pior, entenda, não é eu ter percebido isso. Antes fosse, aí eu e meu pensamento teimoso cairíamos fora. O que lambuza a questão é que ele ainda joga nesse time, ele ainda lança a bola, ele ainda participa de um jogo cujas regras ele próprio burlou.
O que eu, como jogadora e juíza, posso fazer? Sou juíza de mim e executo a função de agir ao mesmo tempo, é um tanto confuso, cá entre nós.
Ele, eu, queremos o que?
Hoje pensei nele estudando e eu indo tirar um pouco a sua concentração. Sentei em seu colo e fiz carinho no cabelo atrás das orelhas. Ele tirou os óculos, sorriu cansado e eu o beijei. Era um beijo molhado, levinho, suave - assim como a minha lembrança. Mas aos poucos suas mãos foram percorrendo o meu corpo e os seus braços me prendiam num universo em que eu definitivamente não queria sair. Seus beijos ficavam mais profundos, fortes, exigiam mecânica de tantos músculos que descobrimos juntos. A respiração fica ofegante, nossos corpos suam e enfim algo ali se instala: a reciprocidade.
Minha lembrança ainda não atingiu o nível ardente que aqui relato, por uma única ponderação: posso? Me responda você, de qualquer forma, posso plantar a semente?
Não sei se depende mais de mim ou de você. Minha psicanalista tem a opinião dela, mas por ora eu desconsidero e me dou, me entrego. Posso?
Isso que sinto nem a chuva mais concreta poderia confortar.