sexta-feira, 25 de junho de 2010

show me what you got

"Se o observador está condicionando o fenômeno que observa, pode-se objetar que, nesse caso, não estamos estudando o fenômeno tal como ele é, mas sim em relação com a nossa presença, e, assim, já não se faz uma observação em condições naturais". (José Bleger)

Pergunto pra ele se é possível então observar algo sem que alteremos a naturalidade dos eventos. Ele me diz que toda intervenção altera a realidade do que é considerado, e a observação é uma intervenção na medida em que coloca-se na posição de poder modificar a percepção do observado. Exemplificando, vou observar um grupo de crianças numa creche afim de finalizar um trabalho sobre o exercício da autoridade na infância. Zequinha, Bruninha e Tiaguinho são birrentos e quando percebem que estou de "visita", passam a maltratar as crianças mais novas como forma de me mostrarem o quanto são populares e importantes. Evidente que este comportamento enriquece o meu trabalho, vendo ali a autoridade triplamente personificada. Mas.. e se foi só encenação?

Dá pra traçar uma comparação dessa situação com o que nos rodeia no cotidiano. E se estão todos forçando uma aparência pra socializar? É como se o real, o verdadeiro, o puro, estivesse e necessitasse estar escondido, assim como o Id na segunda tópica. Precisamos mesmo recorrer ao back to black para sermos quem somos?
Até onde conhecemos alguém e podemos nos sentir à vontade com elas? E se nunca pudermos estar à vontade com alguém que não nossos animais de estimação.. do que fala a liberdade humana? Liberdade agora soa mais convincente quando se trata de explicitarmos o que tanto nos cutuca implicitamente.
Não faço campanha e nem sei o que é melhor. Mas é a velha história do lassez faire: quem vai fazer primeiro? Ninguém? Alguém tem que fazer... eu não vou.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

pensar demais enlouquece. e revela

Todo o fantasma, toda a criatura de arte, para existir, deve ter o seu drama, ou seja, um drama do qual seja personagem e pelo qual é personagem. O drama é a razão de ser do personagem; é a sua função vital: necessária para a sua existência.

Luigi Pirandello


He's not gonna call. This is an fact that I should be learned since yesterday. But.. life is not perfect and I'll catch this bullshits that haunt my mind.

É fácil tirar o peso dos ombros e pensar que a culpa não é só nossa. Evidente que eu preciso de terapia, mas isso não significa que esta noite, assim, seja reflexo dos meus complexos. Se o Ghost fosse ao menos sincero, como deveriam ser todas as pessoas na minha utopia socialista, eu não ficaria tão frustrada. Sério, pra que prometer ligar e fazer alguém feliz com tanta antecedência? Qual é o medo em assumir as incertezas e limitações que todo mundo tem? Nos deparamos com a verdade e parece que não a aceitamos direito. Várias indiretas me enojam e eu suplico por respostas diretas. Depois, se eu falo com franqueza, sou a neurótica. Falar as coisas como elas são pra quem merece ouvir, hoje, é sinônimo de loucura. Acho que depois de tantas discussões sobre o cuidado na saúde mental em tornar o louco um cidadão com suas razões e princípios, apenas diferenciados, foi levada ralo abaixo.

Sozinha, e não é novidade. Antes só do que mal acompanhada? Não pensava assim no início da semana, quando esperava ansiosa por uma única ligação. Hoje, esmiuçando o que me é dado, realmente vale a pena repensar e querer o melhor.

Todas nós nos esforçamos e tentamos agradar, somos boas acompanhantes e fazemos os deveres de casa: estamos sempre depiladas, cheirosas, maquiadas, com unhas feitas e bom hálito. Somos educadas, gentis, discretas e devassas quando devemos. Qual é o problema? Não merecemos, então, uma boa companhia também, no mínimo?

Quando as relações deixaram de ser pontos de segurança e confiança e tornaram-se secas e vazias?

Quando se refere à duas pessoas e uma relação, muito cuidado deve ser tomado. A gente não sabe até que ponto vai conhecer alguém e, de repente, se deparar com um monstro disfarçado de conhecido. O Ghost se empolgou, disse o que disse pra agradar, conquistar e fazer uma menininha dormir pensando nele. Belo Ego, inventa frases, faz charminho e desdenha.

Francamente, até o Robô merecia mais do que isso!

Peço, suplicante, ao destino: se for pra enviar trouxas apenas, pode cancelar a conta.



quarta-feira, 9 de junho de 2010

the reason yelled

Perfeitos para uma refeição matinal, os cookies com glacê de Mercedes a fitaram por uma eternidade enquanto a garçonete corria pela cafeteria com uma xícara de chá borbulhante. Pediu dois cookies e quando os viu em seu prato, sentiu um berro estremecedor saindo de sua barriga. Outro de sua consciência.
"Moça, por favor, pode levar um? Não preciso comer os dois.."
"Desculpe, mas não posso mais colocá-lo na tigela, agora já está no seu prato, moça."
"Mas eu nem encostei neles. Estou de dieta."
"Senhora, me desculpe, são as normas.. poderia ter pensado na dieta antes de me pedir os cookies."

Uma vez lançada, a chance não volta? Da mesma forma com que Mercedes se comprometeu com os cookies e precisou comê-los, Theodoro sofria com seus múltiplos relacionamentos fracassados. Em algum momento, ele precisaria analisar o que andava acontecendo: sempre atraía os mesmos tipos de mulheres. E sempre era dispensado com as mesmas desculpas. Seria ele o problema? Existiria uma força cósmica capaz de dispensar o pleno uso da razão para escolhermos alguém? E se essa força existe e nos atrai sempre para os mesmos "tipos", porque é tão maldosa?

Theodoro sentou calmamente na mesa e a olhou com piedade: ela não sabia da missa a metade.
Ela refletiu durante o café da manhã.
Ele refletiu durante o passeio de ônibus.
Mercedes e Theodoro, em locais tão distantes na cidade, aproximavam-se no quesito número um para consciência pesada: a culpa.
Alice, namorada de Theodoro, sabia que mais dia menos dia a relação cairia ladeira abaixo, levando consigo as lembranças melindrosas do primeiro mês de namoro, com sorte. Se houve ilusão durante sete meses, Alice sabia que partia dela e que Theodoro sofria, mas gostava de sofrer. Na sua visão, ele era atraído por mulheres poderosas demais, que o obrigassem a ser submisso. Eu ouço ecoando da boca de qualquer leigo: ele é masoquista!
Mas não, não, não! Se ele é masoquista, então eu sou também! Então todo o meu grupo de amigas é também! Então todas as pessoas que eu conheço e posso supor que o mundo inteiro gosta, em alguma medida, de sofrer.
Parece uma suspensão proposital do hemisfério racional do cérebro, mantendo-nos dementes o bastante para nos atirarmos às cegas à uma história de amor que nos leva pra cima com violência e pra baixo com exatidão. Se todos somos neuróticos, como supunha Freud, então podemos admitir que em algum nível também portamos um masoquismo que se revela nas formas mais improváveis e nos relacionamentos mais impertinentes possíveis. Estou errada?

O que atrai na escuridão pode ser levado a mil e uma interpretações, mas com otimismo insisto na tecla de que pode ser uma forma de mostrar pra si mesmo o quanto podemos transformar a escuridão em algo claro, visível, controlado. Assim tornado, o objeto perde o interesse e é substituído por outro tão ou mais obscuro que o anterior. Assim foi e ainda é com Theodoro, que perde a sua essência misteriosa a medida que conquista as mulheres: torna-se tão palpável, que escapa. Ou melhor, é o escape.
E nesse vai e vem de histórias permeando a minha mente, traço o paralelo do comprometimento de Mercedes com a sua própria sentença, concomitante às relações fluidas de Theodoro, que busca o compromisso e a cada vez o vê mais longe.

Se saber sobre o assunto ajuda a combatê-lo? Não sei, mas dificilmente acredito que analistas estejam isentos de questionamentos. Assumo o contrário: fuçamos e esmiuçamos e espatifamos e metemos o bedelho em tantas patologias comuns do cotidiano que tornamo-nos não além de meros viciados em problemas. Nossos, deles.