No estudo referente à clínica das psicoses, um conceito salta de imediato para compreender a realidade dos ditos loucos. A foraclusão, descrita literalmente como exclusão e prisão fora do território é entendida na Psicanálise como análoga à condição dos acometidos pela patologia que fez Freud se conter no estudo das neuroses. Os verdadeiros presos do lado de fora nos fazem pensar em sua intensa espontaneidade que por vezes nos assusta e resulta em camisas de força, sedações e estereótipos. Solal Rabinovitch conta que os psicóticos estão presos em seu inconsciente, não conseguem articular três elementos básicos para o compartilhamento da realidade neurótica. Três elementos esses que formam o nó borromeano (Real, Simbólico e Imaginário). Quando o nó é solto, não há correspondência possível que considere o psicótico inserido, inscrito. Diz-se, então, que sem a inscrição no nome-do-pai, o psicótico não simboliza e fala, faz, vive, ao pé da letra. Sua capacidade de metaforização é ínfima, senão inexistente. Ainda prefiro imaginar que há uma brecha.
Teorias à parte, o autor me traz um questionamento muito válido. Meio ao caos do shopping em compras de Natal, pensei em reler uns trechos do livro que acabara de ser adquirido pra que o tempo passasse mais rápido. Aí vem a ideia de que eles estão presos no mundo exterior, em um estranho exterior. Ora, se há então uma divisão que corresponde ao compartilhamento da realidade entre neuróticos e psicóticos, consideraria-se que internamente está a neurose e excluída a psicose, sem possibilidade de adentrar no outro mundo. Por que então condenar a psicose como taxada de loucura se na neurose também há uma realidade ímpar?
Tanto em Don Juan de Marco quanto em K-pax, nos deparamos com a dúvida acerca de quem fala o que é real, se considerarmos que existe uma verdade absoluta sobre todos os seres humanos. O paciente delira ou tenta nos convencer de que há vida para além do que até então compreendemos?
Se eles estão presos do lado de lá, não estaríamos nós, presos do lado de cá? Será que o conhecimento humano pode ser pensado como objeto bitolado então? Estamos plenamente confortáveis com o que sabemos e controlamos? E se não controlamos, internamos? Diz ele:
"Porque os loucos são externados em seu confinamento fora, nós os internamos; é a nossa única maneira de reconhecer, no louco, o estranho ou o excluído que é o outro para cada um de nós, no clarão súbito de uma liberdade que nós lhe invejamos porque ela nos ofusca".
Somos tão egocêntricos assim? O que não é gual à nós e nos ameaça a integridade intelectual é julgado e separado? Há medo de contágio? Que realidade neurótica é essa que mostra-se tão frágil, então? Seria, a meu ver, uma fragilidade inerente à condição humana. Algo da ordem do desequilíbrio, algo insustentável, que o homem nunca conseguirá conter, deter, controlar. Na realidade psicótica existe uma exatidão e rigidez nas coisas que não é possível uma brecha ou uma curva que abra espaço para dúvida. Daí, o psicótico não duvida, ele crê.
Assumimos a nossa falta, a nossa dúvida, o nosso ciclo vicioso que é a vida e por isso o que não é nosso é tido como invasor. Parece natural se pensarmos na ordem da justiça e estabelecimento de leis em nossa sociedade. Prot, personagem que diz ter nascido em um planeta diferente da Terra, conta que em sua casa não há leis pois eles sabem, internamente, o que é certo e errado.
Quero ir além de questionamentos acerca da ausência da lei na psicose;
Ele diz que não é necessário que uma legislação e um bocado de homens se ocupem de algo que é de cada um.
Deveria ser assim? Olhando pra perfeição alheia é claro que tentaremos cobrir nossas fissuras, é o eterno vir-a-ser. Queremos tanto o desejo do outro que é imprescindível buscar sempre a perfeição para que estejamos sempre, desta forma, desejáveis. E é aí que mora o mistério, é uma busca incessante, e nós sabemos disso.
Estando em outra dimensão, outro planeta ou até em outra realidade, estamos isentos dos problemas alheios? Se a minha estrutura prega que sou desta forma e não posso mudar, será que isso me conforta? Penso no caso de Vera, que é problemática no sentido de ter problemas, criar problemas, gostar deles, ver estes problemas nos outros e ficar indignada dos outros não lidarem com seus próprios problemas como ela lida. É um labirinto que cansa ser percorrido. Por ela então, nem se fala. Vera sabe que é doente, seus companheiros de vida também o sabem e tentam confortá-la na vida cotidiana sem que maiores recursos pudessem vir a apaziguar seu sofrimento. Desta forma, ela evita entrar em contato com o cerne do problema e cria uma estratégia de vitimização, pois explicita que é doente e utiliza essa desculpa para conseguir o que quer. É uma espécie de apego à fragilidade que nos coloca na posição de afetados e portanto, dignos de receber afeto. Típico. Todos o fazemos, em graus diferentes. O fato é que Vera se protege em uma redoma criada e não quer nem saber de se tratar, pois isso a tiraria da posição de vítima e a colocaria na posição ativa de quem é autônomo e pode se virar bem sozinho.
Somos assim tão dependentes ou soltos de tudo? É sempre um radicalismo, um extremismo, um determinismo? E se estivermos errados e houver algo entre ser vítima e ser independente? E se de fato nossa realidade não for a única e assim, questionável em suas leis e determinações?
Podemos mesmo nos dar o benefício da dúvida?
Hoje pensei se o esqueci. Fiquei em dúvida; balancei a cabeça e me distraí.
De fato, duvidar revela, e revelar demanda compromisso na análise. E nem sempre é agradável. Como posso eu condenar Vera se eu também fujo do cerne? É preciso encará-lo? E agora, e agora?
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