quarta-feira, 9 de junho de 2010

the reason yelled

Perfeitos para uma refeição matinal, os cookies com glacê de Mercedes a fitaram por uma eternidade enquanto a garçonete corria pela cafeteria com uma xícara de chá borbulhante. Pediu dois cookies e quando os viu em seu prato, sentiu um berro estremecedor saindo de sua barriga. Outro de sua consciência.
"Moça, por favor, pode levar um? Não preciso comer os dois.."
"Desculpe, mas não posso mais colocá-lo na tigela, agora já está no seu prato, moça."
"Mas eu nem encostei neles. Estou de dieta."
"Senhora, me desculpe, são as normas.. poderia ter pensado na dieta antes de me pedir os cookies."

Uma vez lançada, a chance não volta? Da mesma forma com que Mercedes se comprometeu com os cookies e precisou comê-los, Theodoro sofria com seus múltiplos relacionamentos fracassados. Em algum momento, ele precisaria analisar o que andava acontecendo: sempre atraía os mesmos tipos de mulheres. E sempre era dispensado com as mesmas desculpas. Seria ele o problema? Existiria uma força cósmica capaz de dispensar o pleno uso da razão para escolhermos alguém? E se essa força existe e nos atrai sempre para os mesmos "tipos", porque é tão maldosa?

Theodoro sentou calmamente na mesa e a olhou com piedade: ela não sabia da missa a metade.
Ela refletiu durante o café da manhã.
Ele refletiu durante o passeio de ônibus.
Mercedes e Theodoro, em locais tão distantes na cidade, aproximavam-se no quesito número um para consciência pesada: a culpa.
Alice, namorada de Theodoro, sabia que mais dia menos dia a relação cairia ladeira abaixo, levando consigo as lembranças melindrosas do primeiro mês de namoro, com sorte. Se houve ilusão durante sete meses, Alice sabia que partia dela e que Theodoro sofria, mas gostava de sofrer. Na sua visão, ele era atraído por mulheres poderosas demais, que o obrigassem a ser submisso. Eu ouço ecoando da boca de qualquer leigo: ele é masoquista!
Mas não, não, não! Se ele é masoquista, então eu sou também! Então todo o meu grupo de amigas é também! Então todas as pessoas que eu conheço e posso supor que o mundo inteiro gosta, em alguma medida, de sofrer.
Parece uma suspensão proposital do hemisfério racional do cérebro, mantendo-nos dementes o bastante para nos atirarmos às cegas à uma história de amor que nos leva pra cima com violência e pra baixo com exatidão. Se todos somos neuróticos, como supunha Freud, então podemos admitir que em algum nível também portamos um masoquismo que se revela nas formas mais improváveis e nos relacionamentos mais impertinentes possíveis. Estou errada?

O que atrai na escuridão pode ser levado a mil e uma interpretações, mas com otimismo insisto na tecla de que pode ser uma forma de mostrar pra si mesmo o quanto podemos transformar a escuridão em algo claro, visível, controlado. Assim tornado, o objeto perde o interesse e é substituído por outro tão ou mais obscuro que o anterior. Assim foi e ainda é com Theodoro, que perde a sua essência misteriosa a medida que conquista as mulheres: torna-se tão palpável, que escapa. Ou melhor, é o escape.
E nesse vai e vem de histórias permeando a minha mente, traço o paralelo do comprometimento de Mercedes com a sua própria sentença, concomitante às relações fluidas de Theodoro, que busca o compromisso e a cada vez o vê mais longe.

Se saber sobre o assunto ajuda a combatê-lo? Não sei, mas dificilmente acredito que analistas estejam isentos de questionamentos. Assumo o contrário: fuçamos e esmiuçamos e espatifamos e metemos o bedelho em tantas patologias comuns do cotidiano que tornamo-nos não além de meros viciados em problemas. Nossos, deles.

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