terça-feira, 15 de novembro de 2011

Tédio. Inquietude. Agonia. Sufoco. Tontura. Dá uma vontade súbita de soltar um grito acumulado, algo que ferve dentro da garganta e que quando se põe pra fora, mal se oganiza pra que eu entenda o que é. O grito é uma forma de soltar, parece que sobrecarrega a revolta de uma vida tão distante e do alto, longe da realidade, ou talvez não do que seja real,mas do que seja chão. Me sinto aqui meio encurralada, insegurapra descobrir novos caminhos.. não sei mais se é a sensação da cidade ou se isso tudo tem a ver com a prisão simbólica de um amor familiar que de vez em quando corta as minhas asas, me faz sentir dependente. Quando eu identifico essa dependência bate a revolta.. denovo a sede em querer me desprender de tudo. É um vício ao qual me constituí. Sou vítima mas também protagonizo essa repetição em nunca fincar raízes.

Penso na fábula do sapo que é colocado em uma panela com água quente. Se o colocamos na panela com água fervente ele pula, sofre agonizando. Se o colocamos na água fria e a esquentamos gradativamente, ele ali fica, até morrer cozido. É o costume, hábito que nos cristaliza.
Como começar a ler de tarde e quando vai escurecendo não percebemos a falta da luz. Alguém chega e liga a luz. Repare que pensamos em como não havíamos nos dado conta do quanto a luz estava fazendo falta.

Esse costume de ficar em um lugar desde sempre talvez não desperte na maioria o sentimento de despedida constante. Eu vivo na iminência de ir embora e quando isso de alguma forma diminui o ritmo, me deparo com a mais assustadora versão de mim mesma: a que gostaria de experimentar ficar mais um pouco. Descobrir um pouco mais, se vincular.
Por bastante tempo me coloco em posição de resistência e sofro com isso, afinal de contas, acredito que todos precisamos de boas companhias, que nos tragam sensação de conforto, alegria. É com o outro que nos relacionamos e só a partir disso é que nós descobrimos. Dado isso, fico perdida no meio de dúvidas ambivalentes que me fazem repetir atos contraditórios, insistir em pensamentos cíclicos e recolocar no meu território "novos" questionamentos acerca do que eu realmente quero. Lá no fundo, o que eu sinto.

Já vi que gosto de pessoas que estimulam a descoberta dos meus desejos; quando escuto isso me emociono, sinto que é custoso colocar o meu Eu pra fora. Eu posso até culpar meus pais e dizer que existia uma faixa grandiosa de repressão em todas as expectativas que eles depositam em mim. Mas a culpa não é só dos pais. Grande parte das relações de poder se configuram pela aceitação tácita, pelo consentimento, porque nos encaixamos naquele lugar ao qual fomos destinados. A culpa também é nossa e ninguém deve pedir DESculpas, pois elas não saem mesmo.. são papéis que ocupamos invariavelmente na vida.

Sinto que preciso estar no caos do meu dia a dia, que me faz bem, que me alimenta, que me sufoca e me estressa, mas me movimenta. Sou uma pessoa que precisa estar em constante movimento, caso contrário não acredito em mim mesma. Preciso me ver errando e acertando pra entender o que eu desejo. Parada, meu pensamento dá voltas e não chega a lugar nenhum.

Se, fisicamente não conseguimos sair do lugar, como nos afastar dessa onda gigantesca de preguiça que nos assola? A mente teria a capacidade de nos transportar pra outro lugar?
Pra entender porque quero tanto e tão rapidamente sair daqui, tenho que descobrir o que tem dentro de mim de tão inquieto e diferente, que não se permite sair e simplesmente ser.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

talk

quando a coisa pega as palavras somem e a única coisa que parece pertinente é sair de cena. os antigos parâmetros se esvairam.. ele esqueceu de fechar as portas e as pessoas cansaram de esperar. aí se foram do pior jeito possível, com a descrença marcada de alguém que não sabe colocar limites.
e é por isso que eu disse pra ele que de uma vez por todas a hora era essa! se a cabeça tá uma confusão, então para tudo e vai dar um jeito de se tratar sozinho e longe de tudo. esse papinho de fazer coisinha aqui e ali junto com trabalho e relações é balela. isso significa administrar. você tá sabendo isso agora? não, né?
então se fecha um pouco e se abre pra dentro. entende?
arranja um jeito de não precisar das pessoas por um pouco de tempo. veja só um psicólogo agora me mataria de sermões dizendo que o homem não é uma ilha e que precisa do outro pra se enxergar.
mas, meu caro profissional.. se eu não encontro o outro nem em mim, se eu não sei nem onde eu tô e o outro não pode se refletir em mim (porque eu não sei se estou inteiro), então a relação não rola, certo?
é um processo simples. senti que ele tá meio despedaçado, fazendo as coisas por automático.. tem que chegar às 8, tem que sair ao meio dia. tem que comer porque tem que ficar disposto de tarde porque começa cedo. e acaba tarde e já emenda com aquele outro compromisso que exige que a cabeça segure a barra mais que o corpo. no fim do dia você já é a réplica do corcunda de notre dame e nem percebe.
Chega em casa e parece um robô. saiu da carcaça, passou uma água quente fingindo que relaxa. tomou um chá, um pão, leu até sentir os olhos saltarem da órbita. viu o noticiário lotado de bombas. dormiu achando que isso poderia relaxar. nem o corpo, né benzinho, porque a cabeça ainda tá a mil.
sonha, se mexe, acorda meio tonto. o despertador, o frio. um café e a coisa logo se resolve porque o plano é ficar sempre alerta.
saiu de casa e a coisa vai se repetindo, mesmo que a gente refaça a rotina. o plano é sempre estar ligado, acordado, pensando e fazendo pensando e fazendo pensando e fazendo.
quando o sistema dá o tilt e o copo enche... como faz?

aí sim que eu te digo que o meu conselho serviu, sabe? ele tava meio zumbi já. e o pior é que ele se relaciona com as pessoas assim! aí caga tudo sabe.. ele fala uma coisa, pensa outra e faz outra totalmente diferente das demais. se confunde, confunde o outro.. no fim é uma babilônia. acho que no fundo ele vai atrás do caos. sabe-se lá porque, se ele gosta.. acho que nao né, ele tá meio cansado, dá pra ver.
disse até que chorou quando falou com aquela moça lá do aconselhamento.
o negócio, senhor, é que eu acho que ele precisa de mais ajuda. ele tá muito atucanado.. será que o senhor não podia, assim, dar uma aliviada?
tipo assim, só um pouquinho pra ele poder dar uma relaxada.. coisa rápida. isso revitaliza eu acredito.
a gente sabe que a sociedade pede né.. é o seu papel responder a isso e criar todas aquelas formas de se portar. mas quando isso não faz mais sentido eu que levo a culpa de não conseguir me expressar!
e no fim eu também fico meio mal.. eu tento falar nos sonhos e ele acorda cansado, sem nem querer entender o que é. quando eu mudo as palavras e ele se engana, ele fica brabo.
na verdade acho que ele não tá muito afim de pensar ultimamente.. tá cansado mesmo.
vamos fazer um trato! eu te peço uns dias sem censura moral e tantas exigências e prometo que faço ele se aquietar no processo de volta à realidade. eu paro com aquelas coisas de apego materno, ciúme do pai e as invejas de poder. prometo que uns dois dias eu seguro a barra.
ahn? mais? ah, mas aí é pedir muito.. se não tiver a castração eu nem me manifesto né?
tá. livro ele de pensar nisso por um dia. um só! deu, né?

ó, é o seguinte. falei com o super ali e ele meio que deu uma afrouxada.. eu fiz lá meus sacrifícios, vou tentar manter mas sabe como é né.. "sonho não controla" hehe.. não não, vou cumprir sim. tranquilo, vou dar essa relaxada aí.
mas aí depende de você agora ô do meio, faz ele pensar aí em tirar um tempinho pra suspender as estruturas. falou?
o que? ele vai acampar? beleza. é ótimo isso, sem preocupações, tranquilo, em paz e contato com a natureza, só ele e o ar.
como assim ela vai junto? mas o propósito de tudo isso não era entender porque ele se sentia assim com ela?
peraí ela não pode ir junto! não não não, tira ela daí, inventa algum pensamento pra ele desistir de levar ela. ai, tanto esforço eu tive em tirar o super da jogada, meu.
É foda vou te contar, eu todo incontrolável aqui cheio da fissura de mandar uns chistes e tu me bancando essa companhia do mal aí ô?
Vou te dizer. manda ele ir acampar sem a solidão. ela não faz bem pra ele e eu achei que essa função toda fosse ele tentar entender porque ela não desgruda dele.. logo agora ele não pode ir acampar sozinho?
isso aí, isso aí, dá umas mutreta pra ele sair do ar. libera o álcool que a coisa fica boa e ele só dorme sem se preocupar tanto.

fechado? olha, mantém o plano hein.
ser inconsciente não é fácil, tô armando todo o bagulho aqui. tô mais ligado que vocês dois juntos. como eu desligo aqui? pode dar um pause?

quando a teoria ajuda

Apontamentos acerca das territorializações de si

“Quando Pedro me fala de Paulo sei mais de Pedro que de Paulo”

Sigmund Freud

Inicio esse escrito com a frase que para mim marca teórica e analiticamente as obras freudianas que conheço. Considero o estudo da Psicanálise enquanto campo teórico que orienta a prática profissional até a utilização deste saber para nortear todos os outros campos que consideramos “nossos”, no aspecto afetivo e laboral. Penso que Freud quis expressar que todo e qualquer discurso é dado através de um ponto de vista, e por isso está de alguma forma contaminado por saberes e tendências de quem o enuncia. A escolha de um tema para um trabalho é, a meu ver, uma tentativa de elucidar claramente os desdobramentos que de uma questão norteadora se multiplicam. No presente escrito, considero a análise da minha experiência de vida enquanto filha de um oficial militar, moradora de 8 cidades brasileiras em 20 anos de vida, estudante e eterna pesquisadora do comportamento e pensamento humanos como questão que dispara intensos questionamentos acerca das apropriações territoriais que praticamos no decorrer de nossas vidas.

Acredito que nesse sentido de se falar algo que se queira descobrir, a Psicanálise novamente venha a nos auxiliar com ferramentas conceituais. A escrita para mim é instrumento catártico, é via de escape e encontros, estrada para destinos e trajetos clarificadores, enriquecedores. Se algum dia Sigmund Freud e Josef Breuer juntos tentaram desvelar os benefícios que um paciente teria ao discorrer sobre suas questões problemáticas, hoje este processo de “cura pela fala” é demonstrado aqui como forma de aproveitamento do conteúdo pessoal à nível acadêmico. De certa forma, seria possível separá-los?

No campo de análise das práticas profissionais, muitos atravessamentos particulares são descobertos no trajeto que revela a implicação de quem se propõe ao trabalho. Gregório Baremblitt (1992) considera a análise desta implicação como elemento fundamental para apropriação do processo interventor. Acerca do que o profissional enquanto operador de um serviço oferta para uma dada faixa da população, o autor refere que

“(...) se a análise da implicação é a análise do compromisso sócio-econômico-político-libidinal que a equipe analítica interventora, consciente ou não, tem com sua tarefa, ela começa pela análise da implicação existente na oferta, ou seja, na produção da demanda.” Pg 96

Desta forma, entende-se a implicação enquanto grau de comprometimento do interventor com seu objeto e objetivo de intervenção. Para além de um compromisso ético, acredito que o que conduz o profissional na direção de um trabalho implicado geralmente mobiliza os demais aspectos e campos de sua vida. Uma produção implicada é embebida de gás, paixão, conteúdo. O autor menciona que a apropriação de um tema e sua conseqüente curiosidade acerca de novas descobertas pode pautar-se a partir do que denomina “auto-análise”. Segundo Baremblitt, a auto-análise atua enquanto propriedade do saber de si, por meio de estratégias de reconhecimento dos seus próprios desejos, anseios e possibilidades.

A auto-análise consiste em que as comunidades mesmas, como protagonistas de seus problemas, de suas necessidades, de suas demandas, possam enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um vocabulário próprio que lhes permita saber acerca de sua vida, ou seja: não se trata de que alguém venha de fora ou de cima para dizer-lhes quem são, o que podem, o que sabem, o que devem pedir e o que podem ou não conseguir. Este processo de auto-organização, em que a comunidade se articula, se institucionaliza, se organiza para construir os dispositivos necessários para produzir, ela mesma, ou para conseguir os recursos de que precisa para a manutenção e o melhoramento de sua vida sobre a terra.” Pg 17

Estaria ele se referindo ao que compete ao domínio do indivíduo? Me refiro ao que é pertencente à construção subjetiva do homem, enquanto espaço de (re)conhecimento de si. Desta forma, utilizo a partir daqui o conceito de território para tentar ilustrar a forma como entendo a composição de territorializações, desterritorializações e reterritorializações num plano mosaico de encontros e significações tendo como pano de fundo a análise de si.

O aporte teórico que embasa minhas suposições parte da leitura do Compêndio de Análise Institucional, escrito por Gregório Baremblitt, com foco na análise de implicação e estudos de Felix Guatarri e Gilles Deleuze acerca das delimitações territoriais no plano existencial.

No plano biológico, o território é nomeado área que está sob posse de um animal, pessoa, instituição ou organização; e cujas leis operam para criar ordem e hierarquia. No geográfico, uma superfície terrestre pertencente a alguém, geralmente ao Estado. No plano existencial, a geografia humana me faz pensar que o corpo se inscreve enquanto território a partir de suas movimentações; perpassa demais territórios deixando uma marca. Como um animal que deixa um faro e aí “marca território”, o ser humano tem diferentes formas de criar vínculos, territorializar-se, desapegar-se, desterritorializar-se e recomeçar o processo, reterritorializando-se.

Zilá Mesquita (1995) traz a abordagem de um território que vai além do plano geográfico e concreto, provocando o leitor a pensar que a delimitação de uma área está intimamente relacionada ao conceito autêntico de soberania. Um território é considerado como tal quando esta sob o poder de alguém e, portanto, responde às leis e à jurisdição local. No território de si – expressão que tento compreender -, penso que este é um espaço em que o sujeito pôde se apropriar. Suas crenças, hábitos e costumes fazem parte de algo que está sob o seu controle, sob o domínio e caráter conhecido do sujeito. A autora menciona que a extensão do território define o campo de aplicação do poder que seu dono exerce sobre ele. Nesse sentido cabe pensar que o homem controla o seu território e ao mesmo tempo consegue jogar com os limites deste controle. O apego a terra – aqui entendida não apenas em sua acepção geológica, mas enquanto cenário do exercício e desenvolvimento humanos – pode ser considerado uma apropriação, uma territorialização. Mesquita (1995) refere que

“O território é o que é próximo; é o mais próximo de nós. É o que nos liga ao mundo. (...) É o espaço que tem significação individual e social. Por isso ele se estende até onde vai a territorialidade, aqui entendida como projeção de nossa identidade sobre o território.” Pg 83

Existe uma demarcação de território que compete à defesa de um espaço onde operam elementos de uma identidade. O conceito de identidade pode ser definido como uma articulação de aspectos individuais que caracterizam uma pessoa. No entanto, a identidade pode ser entendida enquanto plural, constituída a partir das relações sociais. Por compreender o processo de permanente mudança que os encontros nos possibilitam, tem o caráter de metamorfose. Penso que ao se relacionar com um espaço, ocupar ema faixa de terra que impulsiona a criar vínculos, o homem crie raízes no território e relações quem o habita. Este processo de vinculação e apropriação dos modos de ser e ocupar pode ser interpretado enquanto processo de territorialização. Seria o homem adquirindo, descobrindo e assumindo as suas territorialidades.

Felix Guatarri e Suely Rolnik (1986) afirmam no livro “Micropolítica: Cartografias do Desejo”, que:

“A noção de território aqui é entendida num sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que fazem dele a etologia e a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente ‘em casa’. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos”.Pg 323

Se pensarmos na territorialização como processo de apropriação, tomada de conhecimendo e criação de vínculos, fica clara a tentativa de conhecer e dominar este espaço cósmico para que ali ordene uma lei, uma criada a partir da dimensão já conhecida do indivíduo. Gregório Baremblitt traz na mesma obra já citada o conceito da dimensão instituída em uma análise. Grosso modo, o instituído é aquilo que conhecemos e sabemos como lidar. Aos poucos instituímos diversos territórios no decorrer de nossas vidas. Formas de habitar e permanecer habitando e habituado são modalidades de institucionalizações. Quando se rompe este processo? De que forma o homem sente que basta o que já conhece e o que o impulsiona a desbravar algo novo?

Antes de entender esta ruptura, é preciso esmiuçar a relação que os indivíduos travam com esta terra. Só assim se atribui um valor e a partir daí se engendram novas possibilidades para novas conquistas.

Historicamente, o sistema no qual o homem se subjetiva configura e influencia diretamente sua forma de se desenvolver, criar relações e fazer escolhas. No plano econômico-social, o capitalismo possui a premissa da propriedade privada enquanto direito do cidadão de se apoderar de um espaço e fazer nele operar suas leis. Evidente que é uma operação não dissociada do resto do mundo, e neste sentido é importante pensar no quanto o indivíduo é realmente mestre de seu espaço e ao mesmo tempo depende do/ é afetado pelo/ afeta o que acontece “fora da redoma”.

“A propriedade privada compreende os poderes de usar, gozar e dispor de uma coisa, a princípio de modo absoluto, exclusivo e perpétuo. Não podem, no entanto, esses poderes serem exercidos ilimitadamente, uma vez que colidiriam com direitos alheios, de igual natureza e porque existem interesses coletivos que podem limitá-la. Assim, por exemplo, o poder público pode desapropriar uma propriedade privada, se for usada para benefício múltiplo e comum.”

Novamente a noção de domínio paira sob esta análise. O homem que possui o território e faz dele algo privado, seu, confirma a hipótese de que este é o objetivo por trás da apropriação. Estaríamos todos procurando algo que seja intimamente e exclusivamente nosso?

Partindo da idéia de que território adquirido/conquistado é um espaço de estabilidade e organização, o processo de desterritorializar-se seria uma ação de desordem, de fragmentação para buscar encontrar novos saberes, menos instituídos, adotando uma percepção diferenciada que está pronta para descobrir novas idéias além das previstas. Nesta perspectiva, Baremblitt conceitua a dimensão instituinte que propõe o acréscimo de elementos desconhecidos para que se transforme um plano instituído em algo ainda não dominado/desbravado.

O conceito de desterritorialização consiste em adotar um chamado “olhar estrangeiro” para as coisas à nossa volta. Segundo Ianni. (1996),

“(...) o sujeito do conhecimento não permanece no mesmo lugar, deixando que seu olhar flutue por muitos lugares, próximos e remotos, presentes e pretéritos, reais e imaginários”. Pg. 169

Os agenciamentos que se fazem nesta terra cuja relação é travada com o homem inscrevem relações conectivas. Entretanto, Guatarri e Deleuze discorrem acerca do conceito de desterritorialização mencionando o Estado enquanto figura responsável por considerar o trabalhador “solto”, que vende sua força de trabalho desvinculado de um plano fixo. Em uma leitura minuciosa da obra dos autores, Rogério Haesbaert e Glauco Bruce (2002) mencionam:

“(...) O Estado constrói novos agenciamentos, sobrecodifica os agenciamentos territoriais que constituíam as sociedades pré-capitalistas, configurando novos agenciamentos maquínicos de corpos e agenciamentos coletivos de enunciação”.

Desta forma, a ideia de desterritorializar-se estaria muito próxima da ideia de desvinculação a uma terra que identifica e comporta características constitutivas de cada indivíduo. Assim, tudo se trata de um novo processo que se assemelha ao método dialético proposto por Hegel e Marx. Estaríamos no plano da tese quando nos apropriamos de um território. Adquirimos a faceta da antítese quando nos questionamos acerca do que já fora conquistado e do que ainda há para ser descoberto. Após nos territorializarmos, desterritorializarmos... o que resta? A proposição da síntese me parece familiar quando se pensa em reterritorialização. O ser humano precisa de raízes e de um processo que o englobe, que engrene os agenciamentos que constrói no decorrer de sua trajetória.

A reterritorialização seria simplesmente transferir a um novo território as novas possibilidades instituintes e criativas? Reterritorializar-se poderia ser criar com uma nova terra uma nova história, novos agenciamentos de hábitos, criar com esta relação possibilidades de se recriar. A bagagem de uma apropriação antiga atravessa este novo processo de apropriação? Apoderar-se novamente e fazer valer o conhecimento adquirido nas demais conquistas. Desta forma, o processo é alimentado e não cessa nunca.

“Novas práticas sociais, novas práticas estéticas,

novas práticas de si na relação com o outro, com o

estrangeiro, como o estranho: todo um programa

que parecerá bem distante das urgências do

momento!”

(Guattari 1995)

Todo nascimento pede nova identidade
Ocupação do espaço existencial
Toda identidade deseja transformar
Territórios linhas a nos permitir
Fios conduzem eletricidade
Movimentam os homens
E suas cidades
Cérebros são cidades
Corrente de intensidades
Pensamentos condensados sensação
Funcionam como elos
Formando mapas a nos constituir
Mente saber anelo, porque vivo?
Lugares nem sempre vistos, são descobertos
Habitam em nós, embrutecidos
Somos afetos sentimentos a nos conduzir

Ualy Castro Matos


Referências Bibliográficas

· HAESBAERT, R.; BRUCE, G. A desterritorialização na obra de Deleuze e Guattari. GEOgraphia, ano IV, n. 07, 2002;

· BAREMBLITT, G. Compêndio de Análise Institucional e outras correntes: teoria e prática. Glossário – p.133 – 173) Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1992;

· MESQUITA, Z. Territórios do cotidiano. Cap.7 - Do território à consciência territorial, 1995;

· GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. Petrópolis, RJ: Vozes, 7ª. Edição Revisitada, 2005;

· IANNI, O. Teorias da globalização. 3. ed. Rio Janeiro: Civilização Brasileira, 1996;


domingo, 3 de julho de 2011

estonteante

ela o mandou embora. "não vai acontecer mais nada, acho melhor você ir mesmo.."
" o que?"
.
"é isso?"
se levantou com impulso brabo de quem está sem entender. assim como ela, que permaneceu deitada de costas para ele, quieta, serena, derramando uma lágrima absorvida pelo travesseiro. procurou suas roupas. ela levantou e foi até a sala. enquanto ela se vestia ao lado da estante de livros, ele procurava sua calça debaixo da cama.
se encontraram e ela evitou o seu olhar. pegou suas pantufas, pediu desculpas por fazê-lo ir embora tão tarde.
"pegou suas chaves?"
"aham"
desceram, ela precisa abrir os portões para oficializar a saída.
"desculpa, eu tô passando por um momento confuso e não acho justo que você participe."
"tudo bem.. eu só queria entender o que aconteceu"
a expressão na face do rapaz era de desavença. não entendia, se revoltava, mas seus olhos amendoados ficavam mais brilhosos quando se deparava com a confusão da moça.
"não quer falar?"
com uma lágrima sendo formada "não".

"tá bom". deu um beijo em sua testa, outro na face. e foi.

ela voltou chorando, entrou em casa e o choro veio acompanhado de gemidos. sentou, chorou. levantou, andou, sentiu frio e calor e não entendia porque tinha feito aquilo.

recapitulou a noite. transmissão de pensamento e ele veio buscar um objeto que havia esquecido. algum papo e saíram em busca do vinho. voltaram, viram um filme, ele não prestou atenção. ela pôs os óculos, ele disse que ela lembrava uma antiga amiga dele. ela não gostou.
ela prestava a atenção nos detalhes do filme, ele ficava olhando pra ela e dizendo que ela estava distante.
ele disse que não estava entendendo o filme e que não gostava de gays. ela achou um absurdo, mas sorriu e disfarçou. tirou o filme, pegou uma pizza e colocou outro filme.
os dois viram o filme comendo, se abraçando.
ele tentou uma vez e ela disse que era preciso ter clima. ele esperou, parecia acompanhar o ritmo errante da moça.
o filme acabou, os dois se entrelaçaram e ela parecia estar, então, no clima.
fizeram o que puderam para que ela entrasse em seu ápice e logo, quando a preguiça bateu, ela disse "saí do clima.."

aí o desentendimento começou. desencontros em um cômodo. em uma peça. em uma cama, sob o mesmo lençol.
tão perto, mas tão longe um do outro. ela queria mais cortesia, ele provavelmente menos drama. ela é dez anos mais jovem, mas às vezes a diferença é insignificante.
ela queria que ele fosse algo que ele não é. descontou nele suas frustrações e ideais.

no filme, duas moças partiram para uma viagem de descobertas. ela queria viajar para o mesmo lugar. uma conservadora, descobriu seu lado impositivo e desenfreado. a outra, liberal, soube se ouvir e sentiu que às vezes precisa de uma referência fixa, algo em que ela possa se apoiar.

as duas se descobriram em si, com suas diferenças.
ela achou que conseguisse levar esse envolvimento com leveza, mesmo não sendo de um todo leve. seus pais, ah, seus pais.. o que tem eles?
gaela, aprenda, o desejo é seu. não deles.

um medo tremendo de se envolver e aí não saber se deve ser independente, autônoma. tem sua vida e conquistou seu território. quem ousar ameaçá-lo é posto pra fora.
ela derramava lágrimas no travesseiro e pensava: 'manda ele embora.. não se contenta com isso. você não quer, tenta falar o 'não'. vai, não fica quieta.. não chora, você é a protagonista".

qual é, então, a diferença entre se envolver e se relacionar? até que ponto todas as relações nos capturam e nos exigem sacrifícios? gaela, retire-se. vá pensar. volte e faça o que quer, sabendo o que quer. tanta confusão não dá em nada.

sábado, 9 de abril de 2011

lift your open hand.. and kiss me

Quando ela finalmente conseguiu deixar as coisas de lado pra se encontrar, se concentrar em si, tudo virou de cabeça pra baixo e agora, May, não tem jeito: vai ter que encarar. Recebeu a ligação e não pôde dizer que se incomodara mais cedo com as contas bancárias, pois isso o chatearia. No mais, acho que nem chateação era o problema.. May queria ser independente e não conseguia aceitar o fato de que até que nos tornemos nós mesmos, estamos sendo os outros também. Por influência, identificações ou carência, necessidade de se colar no outro pra poder se constituir, ser um Eu. Ela não entendia isso, queria ser só, mas ao mesmo tempo, veja só, há medo melindrado com pinceladas de mel. Medo de ficar só.. mas um medo doce, como o das abelhas, um medo que a fazia vítima, criança, inofensiva quase.

Quando May mudava de ideia, sabia que isso fazia parte dela e de algum jeito, por mais perturbador que fosse, ela aceitava que era sim um tanto complicada e seguia a vida. Era uma autenticidade meio contraditória, algo que ela se envergonhava quando parava pra pensar.
Deixe-me explicar, pois até eu me confundo quando conto de May.

Um tempo atrás ela conheceu George em circunstâncias bem... digamos assim, improváveis de haver atração. Mas ele gostou dela, sabe-se lá o porquê. Após alguns anos de uma amizade que a favorecia, ele desistiu de tentar fisgar seu gosto e coração e congelou suas investidas. Ela, por ter sentido falta do carinho garantido, começou a ir atrás desse estonteante rapaz que a conquistara por uma paz no coração difícil de se ver hoje em dia. Ele era o típico boa praça, que não se estressava por pouco e dificilmente por muito. Os dois poderiam se completar. A calma dele com a neuroticidade e rabujentisse dela.

Tudo poderia correr bem, pois agora May gostava de George e George ainda não esquecera May. Mas aí ela fez o que faz de melhor, e ao mesmo tempo o que a condena. Ela pensou um pouco mais.
Pensou e viu que não gostava dele, que por sua carência excessiva de atenção e dengo, ela o atraía porque ele gostava de cuidar. Mas ela pensava que logo após ele satisfazer suas necessidades mais imediatas, ela perderia o interesse por ele.
Evidente que tudo no mundo da suposição.. ela ainda não tinha arriscado. Mas como então conseguir diferenciar a carência do amor?
Será que quando nos relacionamos estamos satisfazendo nossas próprias carências; ou preocupamo-nos verdadeiramente com o outro também?
Digo, o amor é uma projeção de si? É algo tão egoísta assim?

Pimba. May pensou e tudo desmoronou na sua cabeça. O problema que antes era de George passou a ser dela e lágrimas rolaram. O que May queria mesmo era ser mais auto-suficiente, não precisar do carinho e dinheiro alheios.. mas que difícil ser só. E assim ser pleno.
É possível?

Dá pra se descolar? Ou melhor, acho que a pergunta se volta para algo mais pessoal e profundo: qual a necessidade de se descolar? Pra que não poder depender do carinho de George? Porque essa vontade de ser tão.. solta, May?
Você mesma disse que não queria coisas fragmentadas, que queria algo inteiro. Como assim? Será que você quer algo e não consegue admitir? Por que não admitir..? O que está por trás disso e é tão difícil de falar?

Seguimos na próxima, May?

domingo, 3 de abril de 2011

say something before it's too late

Hoje não existe autora que me ajude. Não há crônicas cabíveis, textos que encaixem, versos que façam o trabalho por mim. Eu é que preciso entender e interpretar o que acontece. Nem Clarice, nem Marthinha, fiquei na mão. Na minha mão. Pensei nele mais uma vez, de forma suave, mas provocou uma náusea mais angustiante do que todas as subsequentes à noite anterior. Não há conhaque misturado com vodka e uns goles de cerveja que provoque confusão tão grande como esta, a confusão de não saber, apenas sentir.

Procurei algum texto que pudesse me dizer alguma coisa, procurei material pra comparar, interpretar, pra forrar a verdade que se mostra tão crua. Pensei nele mais uma vez, de forma suave, e agora não consigo lidar com o pensamento em si. Preciso de um atravessamento, de um mediador. Tão logo vi que nenhum escritor me ajudaria, pensei em mim. O Eu escritor que aqui vos fala é quem tem a resposta, já diria minha psicanalista. Mas como acessá-la?

É bem verdade que o lance amornou, mesmo que nunca estivesse fervendo. Ou.. minto, naquela noite de chuva em que falávamos até a madrugada dar voltas, senti meu coração ferver e acho que aí se instalou o perigo. O perigo de gostar de alguém e achar que isso é recíproco.
Não sei sanar a dúvida da carência x interesse, mas alguma coisa aconteceu, me diga você. Preciso escutar e sentir que parte de você também essa sintonia mística, esse desejo de conversar sobre tudo menos nós. De repente, ele aparece com outra vida, outros rumos. Pode ser que não esteja tão fora do rumo que ele escolheu, mas certamente passou longe do que eu imaginava. Aí, caro leitor, mora a minha inquietação.
Pensemos; até que ponto o que eu penso a respeito de uma dada situação realmente acontece? Digo, não a premonição, mas quando sentimos que o outro também está conosco nesse mar de dúvidas e atrações. Eu achei que estivéssemos em sintonia, mas ao que parece não.
E o pior, entenda, não é eu ter percebido isso. Antes fosse, aí eu e meu pensamento teimoso cairíamos fora. O que lambuza a questão é que ele ainda joga nesse time, ele ainda lança a bola, ele ainda participa de um jogo cujas regras ele próprio burlou.
O que eu, como jogadora e juíza, posso fazer? Sou juíza de mim e executo a função de agir ao mesmo tempo, é um tanto confuso, cá entre nós.

Ele, eu, queremos o que?
Hoje pensei nele estudando e eu indo tirar um pouco a sua concentração. Sentei em seu colo e fiz carinho no cabelo atrás das orelhas. Ele tirou os óculos, sorriu cansado e eu o beijei. Era um beijo molhado, levinho, suave - assim como a minha lembrança. Mas aos poucos suas mãos foram percorrendo o meu corpo e os seus braços me prendiam num universo em que eu definitivamente não queria sair. Seus beijos ficavam mais profundos, fortes, exigiam mecânica de tantos músculos que descobrimos juntos. A respiração fica ofegante, nossos corpos suam e enfim algo ali se instala: a reciprocidade.

Minha lembrança ainda não atingiu o nível ardente que aqui relato, por uma única ponderação: posso? Me responda você, de qualquer forma, posso plantar a semente?
Não sei se depende mais de mim ou de você. Minha psicanalista tem a opinião dela, mas por ora eu desconsidero e me dou, me entrego. Posso?

Isso que sinto nem a chuva mais concreta poderia confortar.

domingo, 27 de março de 2011

Sempre assim. nunca assado

Andre era esperto, fugaz, avassalador e muito charmoso. Cantava quem podia e a que caísse, ele dava um jeito de fisgar. Não era um galinha, nem um cafajeste. Ele é sincero, sabe ganhar uma mulher. Não fica com duas ao mesmo tempo. E dito isso, esclarece que só fica com uma mulher quando a outra souber que entre eles nada mais acontece. E é bem assim que ele faz.
É alto, com um corpo muito bonito, um cabelo ondulado que deixa seus olhos mais fechados, mais misteriosos. Seu olhar, melhor dizendo, é mais misterioso. Não se sabe pra quem ele olha e quando ele vai agir. Mas ele está sempre trabalhando. Casou uma vez e deve ter tido seu trauma, pois nunca mais quis um compromisso tão longo. E irremediável. Tem um sorriso que chama, qualquer pessoa quer ficar perto dele, é carisma. André é simplesmente carismático. Faz de tudo o que pode para fazer o bem, ajuda a quem pode e tem um ótimo relacionamento com a família. Tracem seu perfil, ele é um menino prodígio. Encontrando a mulher certa pra ele, vira um casal de propaganda de margarina.


Já Humberto tem lá suas qualidades. É inteligente, anda sempre cheiroso, independe de onde esteja. Tem um corpo de tirar o fôlego e seus olhos verdes são de arrasar quarteirão. Em compensação, seu olhar não me diz nada. Ou melhor, diz "eu não sei dizer nada", com aquele ar de charlatão querendo fingir que é alguma coisa. Pois Humberto é bem assim: uma farsa ambulante. Não sabe o que quer da vida, já passou por três faculdades e de transferência em transferência ele acabou na administração de empresas. Ganha um bom dinheirinho e conta com uns bicos de férias, fazendo publicidade em sites. Namorou por muito tempo uma moça bem meiga, loirinha de pele branca branca, chamada Isis. Sabe-se lá como ela o aguentava, pois as más línguas diziam que ele é impaciente e muito rabujento. O senhor da pastelaria da esquina sempre me fofoca que ele faz questão de rachar a conta com a namorada. Ou com quem quer que seja. Ele é egoísta, fala seu Jano. Sua mãe, que eu ainda não sei o nome, foi uma famosa costureira da Zona Leste da cidade e hoje faz pequenos reparos em casa mesmo, com a ajuda de uma assistente. A família de Humberto é meio fragmentada, talvez isso explique sua agressividade. Ah, não te contei que ele foi preso, contei?
Pois é, dizem os boatos que ele bateu numa mulher com quem ficou por umas noites e foi detido algumas semanas. Depois soltaram ele, esse papo de cidade pequena, sabe como é né?!
Mas é isso. Ele falha, mas taí pra quem quiser ver. Tem seus problemas, sua ficha meio suja.. mas ele, por outro lado, é transparente. Outro dia vi ele indo pra um prédio chique no centro. Fui lá, né?! Vi que ele parou no andar dos terapeutas. É meio famosinho.. todo mundo que para lá vai pra um. Fico imaginando se eles param no meio da tarde com aquele ar inglês pra tomar um chá e fofocar das neuroses dos pacientes.. não, não, aterrisa.
Humberto tem tentado melhorar, mas isso aí que eu disse é ele. Tudo isso e muito mais.

Cada qual com suas idiossincrasias.
Um universo aqui, outro lá. Os dois são irresistíveis de suas formas e tem lá suas passagens pela malícia. No primeiro contato, diríamos que o melhor partido é, sem sombra de dúvidas, o André. Até porque quem é que quer um Humberto agressivo da vida? O que ninguém sabe é que André também tem seus podres, muito piores que os de Humberto, mas não consegue expor. Defeito maior que esse não tem.

"Olha você; me diz que não vive a esconder.. o coração... Não faz isso amigo; já se sabe que você só procura abrigo, mas não deixa ninguém ver. Por que será á?"

É gente, da casca a gente entende bem. E aprofundar, arriscar, entrar, se jogar, alguém aí pode me dizer que entende? Alguém aí pode me dar a receita? Porque eu tenho alguém que quer, aquela velha história de um amigo meu que precisa daquilo que eu peço. Pois é.
E aí, vai encarar?

acima

Não sei como escrever sobre isso.. mas o fato é que disso preciso. Desaguar. Leitores, entendam a minha agonia. Mais uma vez o destino fez-se tão presente que eu pude sentir. Pude vê-lo, ou melhor, não vê-lo.

É curioso como sinais são enviados e nós, por mais que pensemos que são sinais, ignoramos, ou deixamos de lado em prol do ceticismo. O que mais precisa acontecer pra sermos mais sensíveis? Passei hoje, de novo, por uma experiência que me fez crer no destino, na força de atração, em Deus, não sei. É aquela velha nova dúvida que me deixa tão empenhada em desvendar meus pensamentos e crenças. O que é isso? Uma articulação de leis que juntas nos escrevem uma linha, e dela não podemos escapar?

"Vou deixar a vida me levar pra onde ela quiser. Estou no meu lugar, você já sabe onde é."
(...)
"Mil acasos me levam a você, num mundo concreto ou virtual."
(...)
"Tão fácil perceber que a sorte escolheu você. E você cego nem nota."
(...)
"Não precisa me lembrar; não vou fugir de nada..sinto muito se não fui feito um sonho seu."
(...)

E também não é por acaso que esse cd estava no automático pra tocar assim que eu apertasse Power. Nem nessa sequencia..

Essa agonia, eu sinto que o universo me dá material e eu não sei o que fazer com ele. Será que existe uma forma de entender isso? Será que é pra ser assim? Eu só sei que só consigo registrar a euforia e a dúvida de estar frente a algo tão grandioso e significativo.

Aquele que eu achei que fosse pra ser não é mais. Aquele que eu não queria que fosse, agora é. Sim, dona flor voltou com suas duas vertentes ramificadas e acaba de tomar uma decisão.

quinta-feira, 24 de março de 2011

desaguando à conta gotas

como a maçã apodreceu? como? quando tudo se estragou que eu não vi passar?

me guiei sozinha e sem pensar em direção ao computador e fui escrevendo, sentindo desaguar essa carga pesada que a gente se acostuma a carregar sem sentir exatamente o que é. depois de um tempo eu percebi a beleza disso que se põe em ato, de escrever, de poder ou dever colocar ideias em palavras, por mais que por serem ideias ja estejam envolvidas em palavras.
Sem escolher a hora ou o tema, parece que vem. só vem. quando vê...

essas lembranças não mais ameaçam a integridade do que eu considero confiança e auto estima, mas de algum jeito comprometem uma segurança, parece que ainda falta identificar um erro. tanto eu repito - e acredito no que penso e digo - que não deu errado. deu certo até aonde tinha que ter dado. tanto eu repito isso.. tanto eu repito, tanto eu repito, repito repito.

É que as lembranças boas me trazem aquele sorriso espontaneo e gostoso de se dar num dia de chuva, em que os pingos são trilha sonora e o escuro é o pano de fundo. tudo parece mais inspirador e, pelo barulho gostoso que a água traz, o resto fica em silêncio, e aí revela tanto mais..

revela, fala, conta. mas eu ainda não sei o que é. só sei que não quero fragmento de nada. disso eu sei. só disso eu sei.
eu sei? hã, sei. sei sim, sei de nada, isso sim.
só sei que sinto e sinto que não sei, e aí a clarice me sussurrou que " esta paciencia eu tive, e com ela aprendia: a de suportar, sem nenhuma promessa, o grande incômodo da desordem. Mas também é verdade que a ordem constrange. Como sempre, a dificuldade maior era a da espera."

quanto tempo mais eu vou precisar esperar? só pra saber..
só pra saber, eu vou precisar esperar?

segunda-feira, 14 de março de 2011

Espera. Espera aí só mais um pouquinho. Segura.

Sem expectativas, sem frustrações? Mas é possível não esperar nada? E a idealização, e o sonho? E o desejo? Será que alguém que use a racionalidade à mil conseguiria aniquilar todas as migalhas da pré-ocupação?

Quando Janine me olhou eu confesso que estremeci. Ela tinha olhos de águia e uma boca curvada pra dentro que demonstrava certo rancor, algo que nem a raiva era capaz de suprir. O que os seus cabelos loiros levados pelo vento me falavam eu esquecia, porque o aroma que dali saía e se infiltrava em mim era ensurdecedor. O olhar dela. Era isso que penetrava mais fundo. Eu sabia que dali eu tinha duas escolhas. Ou nos amávamos até o fim dos tempos, ou o ódio consumiria nossas carnes até que não sobrasse mais nenhum pó de osso. E o mais esquisito é não saber de onde brota a raiva, não saber que fim leva. É uma indiferença que fez morrer o amor. Não sei.

Voltando no tempo eu até entendo o atrito entre nós. In my place começa a tocar e eu me sinto num flash back que move todos os meus instintos, direciona a minha consciência pra uma tarde desesperadora atrás de um grampeador, no meio de um escritório lotado de pessoas vazias. Faltavam dois minutos pro prazo final e eu sentia o pé pesado na minha bunda, carimbado de uma longa procura por um novo emprego. No fim do corredor uma mesa vazia, uma caixa de utensílios e um porta-retrato, assim como nos filmes, como quando alguém é despedido. Corri. Grampeei e saí. Um vulto amarelo no chão me chamou a atenção.. ela estava abaixada catando as tachinhas do quadro de cortiça que usava para fixar os compromissos. Compromissos.. hoje são bobagem.

Sorrimos um para o outro e o meu desespero se misturou com a calma frustrada dela. Entreguei o relatório e pude conhecê-la, sem o pé na minha bunda. Pois descobri que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. O pé foi pesado na bunda dela, ou melhor, ela foi despedida. Essas faltas de respeito eram - por ela - motivo de brigas nossas que não vem ao caso discutir agora, mas quero te contar que o sexo depois disso era uma beleza.

Café, pizza, livraria, parque. Cinema, parque, café, noites. Bebidas, pizza, beijos, amassos. sexo. café. sexo, sexo e sexo. alguns beijos e mais sexo. café e parque. e o ciclo ia ficando cada vez mais diversificado, meu amigo. Eu não pude reclamar, mas quando o fiz, fui apresentado à família e tive a obrigação velada e social de apresentá-la aos meus parentes restantes. Vô, vó, aqui está a possível futura "neta" de vocês. Não, ela não é uma irmã.. na verdade parece uma, mas o que fazemos não é considerado incesto.

Alguns anos e eu podia jurar que tudo corria bem. Bom, dentro dela tudo corria, não sei se bem, mas corria. Janine tinha a mania de ter pressa pra tudo. Mesmo quando diz ter entrado na "vibe sossegada", ela tinha um formigueiro correndo pelas veias, picando cada pequeno pedaço de seu corpo que poderia relaxar. A cabeça sempre a mil. Cada palavra, uma nova associação e sempre uma discussão. Eu nem reclamo, já te contei que depois da discussão o sexo é bom, né? Pois é, então eu gostava desse jeitinho complicado dela de ver e fazer as coisas. Tipo fazer três sanduíches de mini pão com queijo branco e depois encher de doce de leite, só pra saciar logo a vontade de sobrepor sabores. Ou a mania desesperadora de sair de casa com uma tonelada de corretivo pra olheiras e mais dois litros de silicone no cabelo.
Mais uma vez, eu não reclamo, prefiro silicone no cabelo do que no corpo. Porque vou te contar, que corpo. Ali não faltava nada. Podia até sobrar, segundo sua consciência hipócrita. Janine pregava que não concordava com a ditadura da magreza. Mas tava sempre podando alguns exageros, correndo, usando roupas básicas e que "alongam". Ok, eu gostava do que se deitava do meu lado todas as noites.. e ela sabia disso.
Usava e abusava da minha boa e má vontade e sabia direitinho como me distrair de uma leitura pra rolar no chão da sala. Uma vez a coisa foi tão forte que a vibração das vassouradas do vizinho de baixo fez o orgasmo ficar mais intenso.

Pois bem, Janine era avassaladora. Criança, madura, divertida, linda. Mas ela não se bastava. Procurava tanto alguma coisa nova que quando conseguia nem curtia, já achava que era velho e queria outra coisa nova. Me surpreende termos durado tanto.

Mas aí que tá a lei do caso e acaso. Eu reclamei, pensei que ela era realmente um pouco problemática e mesmo que eu gostasse disso, eu fiz a besteira de me abrir com ela. Contei que eu adorava o jeitinho indeciso dela de saber se terminava as sessões de clareamento dental ou se juntava dinheiro para alugarmos um apê maior. Besteira minha. Aí ela começou com aquele papo de individualidade, de prioridades, de profissionalismo. Besteira, grande besteira minha.

Ficou uns dois dias meio monossilábica e no terceiro dia, o dilúvio. Tpm, telefonema da mãe, unha quebrada e dor nos rins. Eu fiz um chá, mas acho que piorei as coisas. De repente eu me vi na frente de um rádio com uma boca enorme, de onde saíam palavrinhas que flutuavam com pontos de exclamação por toda a parte. Ela surtou, sério que surtou.

Passou a noite encolhidinha e eu fui lá né, tentar dar um chamego, aquelas coisas que a gente faz pra manter o relacionamento cômodo. Ela ficou quieta. Certo que pensou "demorou, paspalhão", mas adorou os carinhos na nuca. Eu sei que adorou.

Depois de algumas desculpas e uns beijinhos doces ela foi trabalhar. Deixou o celular em casa. Ligou da agência nova de publicidade que abrira umas semanas atrás e disse que teria uma festa com os funcionários pra inaugurar algumas salas. Avisou que voltaria tarde.

8 e meia da manhã ela abre a porta meio descabeladinha, mas a maquiagem não tava borrada. Ufa, se a maquiagem estivesse borrada eu sairia batendo porta. Ela entrou com a pontinha dos pés e fechou a porta. Se virou e derrubou os sapatos de susto quando me viu sentado no braço do sofá bebendo café e lendo o jornal vencido. Sorriu e disse "Oi amor". Se escapou pra dentro sem nem um beijo de bom dia. À essa altura eu nem considerava uma conversa pra saber onde ela passou a noite.. eu achei estranho demais ela ter entrado direto pro banheiro se declarando culpada de alguma coisa.

Fui até o quarto e perguntei. Ela disse que eu não deveria sufocá-la, afinal de contas, nós apenas namoramos. "Apenas namoramos"? Ah tá, desculpa, eu vou perguntar isso ali pro seu João, já que ele é apenas um jornaleiro e nós "apenas temos uma relação cordial". É assim Janine?

Olha só, eu acho que a gente tem que repensar a nossa relação aqui. Eu fiquei a noite toda conversando sobre propostas no exterior e acho que isso seria bom pra mim. E pra nós.

Ela disse isso olhando pra mim de rabo de olho. Safada, eu sabia que alguma coisa de ruim tava correndo naquela cabeça. A Janine tinha dessas de passar dias calada e de repente quando abre a boca vem uma avalanche de informações acumuladas você não sabe nem de onde. Esse desequilíbrio dela me encantava. Aparentemente a minha observação minuciosa do que ela era e fazia não causava o mesmo frisson.

Do mesmo jeito que as águas se abriram quando Moisés quis, ela resolveu catar as coisas e disse que iria passar uns tempos na casa de uma tia no Rio de Janeiro. Até aonde nos lembramos, leitor, ela falava de exterior.. Porto Alegre - Europa não é tão mais caro que Rio de Janeiro - Europa, ainda mais considerando a urgência de um plano criado em uma noite. Eu sei lá, ela se foi e providenciamos o cancelamento do contrato com a imobiliária. Essa foi a parte mais correta, legamente falando, que passamos. Tinham regras, consequencias, objetivos claros. Nada era claro naquela relação, senão seus cabelos.

Dado esse fim, volto ao início. Nos conhecemos e já nos tornamos indispensáveis um para o outro. Não criamos a conquista com gosto de impossível, nem tivemos grandes obstáculos. Simplesmente seguimos os nossos desejos e ficamos juntos. Sem expectativas, sem frustrações. Mas.. e isso que eu sinto agora apunhalando o meu peito é o que, senão frustração vencida com vermes corroendo tudo o que a gente plantou junto?

Tem como começar um amor e terminar um amor sem planejar ficar velhinho, ou jogar frescoball com os filhos, ou beber vinho de noite, ou sei lá mais o que que se planeja? Tem como? Porque eu não fazia nada disso. Eu vivi de momentos com a Janine e agora fico pensando se ela ficou frustrada também. Fico pensando se a falta de expectativas por minha parte deixou ela se apagar, se confundir, se escapar. Ela planejou as sessões de clareamento dental e de repente se deparou com o aluguel de uma nova casa. Ela criava sim, expectativas. Ela pensava no futuro. Eu só a observava, registrando cada movimento seu, cada segundo que se passava eu respirava um pouco de ar de Janine. Não vivi passado, não vivi futuro.

Estou condenado a ter vivido pelo presente.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

ensaios frustrados de uma técnica enferrujada

é sempre o homem que menos se interessa que mais interessa. o que mais desafia, o que mais seduz. depois de ter tanto esforço pra entender o que se passava em sua cabeça quando alguém se aproximava, Melinda entendeu, na prática, a condenação de seus desejos. Ela pediu, no tempo de marasmo, que encontrasse alguém pra finalmente colocar em prática tudo o que achou que tivesse aprendido. Pois bem, desejo lançado é, incondicionalmente, desejo alcançado.
Hesse falou disso, sexta, no meu ouvido. Sussurou que eu devia reler Demian, pois meu inconsciente tava lá naquelas de não saber mais como se usar. Não atendi ao seu pedido, mas pude entender o que ele queria dizer: quando a gente quer muito uma coisa, ela acaba acontecendo porque nós a provocamos, mesmo "sem saber". É como direcionar as ações, afunilar os pensamentos, preservar em si o que prospera pra isso, o que pede por isso; o que quer isso?

Melinda atendeu. Era Ben, um rapaz tão doce. Ele em sua frente parecia uma réplica dos estudos de Locke e Pinker. Querida, põe pra fora tudo o que você tava trancando! Ela via nele a possibilidade de se entender, de se testar, de esquecer o que se foi. Tanta expectativa pra um homem, que mal sabia se queria sexo ou conversa. Projetou nele a mais bela obra e esperava que uma folha em branco a respondesse à altura. Sim, ele parecia ali, presente, mas não necessariamente só pra ela. Ele tinha lá suas questões e ela, tolinha, entregou aos poucos. Mantenha o mistério, Melinda. A vida não é lá tão frágil assim.. ele não vai morrer daqui um minuto, então espere um pouco mais pra que ele faça alguma coisa.

Pedir que uma mulher espere é admissível. Que ela não pense, é exigência além da conta. Somos todas problemáticas, Guilherme, não perca seu tempo dizendo aos quatro ventos que não quer mais se relacionar com alguém problemático. Você teria que se abandonar.
Todas somos carentes, paranóicas, agitadas e desastradas. Todas sabemos seduzir, fazer mistério e impressionar. O que muitas vezs frustra mulheres como Melinda são justamente essas particularidades de cada uma. Nem tudo isso tem tempo indeterminado e às vezes o desastre é maior que a delicadeza. É do que se queixam, o encanto acaba.. ou a pessoa se mostra?

Ben a trata bem, mas permanece fechado num casulo que Melinda tenta furar. Talvez por curiosidade, talvez por idealização de que dê certo, talvez por frustrar-se em não realizar um grande feito, talvez por querer ajudar. O que ela precisa saber é que o tempo é mano velho e bem mais experiente que ela. Ouça, Melinda, ouça aquela serenidade que te soprou um vento geladinho na face um tempo atrás. Ouça que é bom se jogar, mas lembra da cautela que a Lorena se orgulhou em ouvir. Você sabe o que quer, não perca o foco.

O que Hesse queria me dizer não devia ser que eu lutasse pra alcançar, mas que eu pensasse se vale mais a pena esperar que as coisas "simplesmente" aconteçam. Direcionar é melhor?
Se é outra entidade que vai se responsabilizar, eu entrego as cartas.. assim é tão melhor!
Já me disse uma vez que é mais fácil jogar a culpa no outro. Pois bem, ela é toda sua, faça o que quiser, eu vou ali viver e já volto.
esvaziou

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Correspondências. Até os títulos, até os títulos.

"é essa coisa de começo.. de começar alguma coisa. um estágio, que a gente já entra no meio do ritmo, na sessão, que eu tenho que buscar um assunto.. é meio complicado isso de começo pra mim eu acho."
"por que você acha que fica difícil começar?"
"sabe aquela coisa de lidar com o desconhecido? a gente lida, é natural, eu tô aprendendo isso e foi bom ter vivido tudo aquilo ano passado pra descobrir como eu encaro o meu desconhecido.. mas não é como se pra sempre eu conseguisse, naturalmente, começar alguma coisa sem uma pitada generosa de insegurança".

De começar o post nada seria mais oportuno. Hoje aconteceu muita coisa e nos últimos dias meus pensamentos, leituras e conversas tem sido guiados pro mesmo ramo de assuntos. Assusta, mas eu tô entendendo, eu sei que não é coincidência, eu sei que não é. Não pode ser.. é lógico e surreal demais pra ser um mero acaso.
E é justamente disso que eu falo, dessa forma de enxergar os acontecimentos: quem articula e puxa as cordas? será que tem alguém ali? quem será, quem será?

Dá pra pensar que quando a gente passa por alguma situação que nos cobra um tempo a mais de reflexão, os próximos eventos estejam envolvidos porque nós vemos dessa forma. É o viés daqui, dos meus olhos, pro mundo que me oferece uma série de possibilidades de interpretação.
Há dias que eu me queixo que o portal me diz a mesma coisa: 'todas as certezas são mutáveis, não se espante se as suas definições borrarem.'
Sempre assim, já desconfiava dessa repetição. Pois me surge a volta de algo que realmente estava me faltando, fosse a escrita, fosse a presença. Ao trazer isso em sessão, percebo que esse ânimo é muito derivado da minha própria forma de enxergar o mundo.

"Quando a gente tá seguro de si, olha pra frente de outro jeito.. vê as pessoas com outras caras e outros conteúdos pra aproveitar. É como se o flerte fosse mais divertido, é gostoso andar na rua e sentir que estão te olhando. E é tudo uma questão de saber se posicionar, de sentir. É algo indizível, Lorena, algo que a gente sente.. só transparece".

E assim foi. dá-lhe auto-estima recuperada depois de um turbilhão de absorsões tensas.

Voltando ao habitual rito que de alguma forma me alimenta o êxtase, percebemos que os relacionamentos partem, pra além da atração, de um egocentrismo declarado e insano, cá entre nós. Vemos ali no outro um mundo de possibilidades, várias vagas pra estacionar. Escolhemos aquelas que nos agradam e é aí que se forma a mais bonita e complexa projeção de todas - se é que existe uma variedade delas. Amamos no outro o que nos lembra, e isso tem explicações razoáveis, visto que as qualidades que nos atraem no outro são, já de alguma forma, escolhidas por nós. Os defeitos é que nos põe à prova; e pra mim, sempre foi mais verdadeiro apaixonar-se pelo peculiar.

Falamos também de tantas outras coisas leitor, que você não pode imaginar a minha felicidade em saber que tudo isso foi repetido hoje, de uma forma sensacional.

Quando eu voltei a ler o livro da libanesa, percebi no capítulo o risco de um trecho que muito me agradou. Nessa parte ela contava de coincidências.

"Quando conheci o Pensador, o fogo crepitou e me queimou durante um tempo, principalmente após sua partida. Teria sido esse o preço que eu tinha de pagar pela viagem de reconhecimento que vivi com ele? Teria sido esse o preço que tinha de pagar antes de voltar à vida? Antes que outros Pensadores viessem, para que eu pudesse continuar a ter minhas descobertas".

Foi isso aí, já nem sei mais como eu acrescento coisas, me dá um nervoso não conseguir entender porque as coisas estão acontecendo com tanta sincronia. Eu fico feliz, muito feliz, eufórica. Mas dá um medo. Do desconhecido talvez, né Lorena?

Com ela eu falei hoje desse limite que eu estabeleci nos últimos meses. O meu desenvolvimento pessoal, a minha singularidade, o meu território. Eu sei que o chamei de imbecil tempo atrás, mas não nego, ele é mesmo. O que acrescento é que a presença de alguém como ele, que pudesse escancarar as minhas fragilidades foi muito importante pra que esse processo de conhecimento e aceitação acontecesse.
"Mas o importante é pensar que não foi ele né? Podia ter sido qualquer outro, que como ele, abriu essas portas e te mostrou o que você não conseguia ou não queria ver. "

"E quando ele fez isso é óbvio que bateu a antipatia. Normal que a gente desgoste de quem nos esfrega um problema, mas eu entendo que eu sentiria isso por qualquer pessoa que estivesse no lugar dele.. é um treino porque com os próximos o meu comportamento e posicionamento mudaram".

E sabe o que é o melhor disso? É saber disso. É estar consciente de que deu pra mudar, deu pra entender. Disse pra ela que eu já não queria mais tanta pressa e promiscuidade assim, de mão beijada. Disse também que o fato agora não é ser difícil, é valorizar. É saber que eu mereço alguém que demonstre. E ela concordou, brilharam aqueles olhos tão cheios de paciência em tanto me ouvir.
Acho que existe um esquema bom pra isso. Antes de mostrar o esquema, falamos do filme da bailarina, que encara o "lago" negro. Por um ato falho eu pude falar dessas falhas que nos constituem. Já volto neste ponto*

O esquema, Lorena, são duas circunferências que tem um espaço em comum. A intersecção é o que, numa relação, se constrói de "nosso". Mas existem as partes individuais, que pra mim são essenciais e nunca podem ser aniquiladas, por maior que o amor seja. Pra saber como fazer o "nosso", eu preciso antes construir o meu "eu".

Os olhos dela brilhavam e ela balançava a cabeça demonstrando total concordância, orgulho até.

" E sabe de uma coisa? eu tô adorando esse meu espaço. Eu sei que já falei aqui daquele vazio que me incomoda, da solidão após um período de tanta fusão.. mas quem não sente? e não só por isso, mas eu sei que no momento em que eu cair, eu vou poder aprender. isso me basta"

Foi o que disse à ela. Eu gosto, eu quero, eu desejo. Jac, eu gosto, eu quero, eu desejo. Eu sinto que podemos construir um "nosso". Era isso que faltava antes, no ano passado. Não tinha a intersecção, estava eu na defensiva. Tanto tanto. Mas com Jac.. será que dá pra fazer um "nosso" no capricho pra viagem? Pago à vista! Eu gosto do nosso jeito, da nossa conversa, desejo aquele primeiro olhar.
"Eu quero conhecer aquele mundo, Lorena.. quero explorar esse desconhecido, quero realmente relacionar, envolver, criar".

Mas

Mas com cautela. Já me joguei, vi que sem gostar de alguém antes, o beijo já não vale, o sexo tampouco e a química é essencial. Tem que ter gostinho de conquista, de vitória, de roubo de olhares e intimidades que se fazem através do tempo. Só dele. Eu quero ir, Lorena. Eu vou, mas vou com o meu espaço da circunferência bem delimitado. Eu sou mais importante.

Quando ela falou do filme do cisne comigo, percebemos a importância dessa identidade. Título que me deu vontade de engolir em todas as livrarias, tão falado, tão falado. Não é coincidência. Eu sinto que não é.

Hoje encontrei uma amiga que, numa sintonia louca e que ainda me deixa atônita, me deu um conto a ler. Vou fazer o maior post da vida, mas hoje merece tudo.

"Por não estarem distraídos"
Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Foi o que eu precisava ler. Ela me deu, ali, pra ler.

E aí falamos da minha relação com as palavras. Que eu também falei com Lorena mais cedo. Nomear, definir, limitar, perder. Nada mais. é isso, não se sente mais?

Depois de ter dito que era exatamente isso, abrimos a fotobiografia da Clarice e vimos algumas coisas. Fechou. Logo ela ficou inquieta e eu me dirigi até ela, sem que ela me chamasse. Senti que devia sentar ali. Ao que ela me diz:

"Vi, eu ia te chamar pra ver uma coisa do livro, mas nao lembrava a pagina.. aí abri o livro e foi nessa, era isso que eu ia te mostrar, foi na mesma pagina! Olha. Lê isso"

Aí ela senta ao meu lado e lemos juntas o que tantas vezes eu tirei trechos e não sabia a origem. É tudo o que em outra vida eu sussurei nos ouvidos da Clarice, tenho certeza disso.

"
A Tania Kaufmann


Berna, 6 janeiro 1948


Minha florzinha,

Recebi sua carta desse estranho Bucsky, datada de 30 de dezembro. Como fiquei contente, minha irmãzinha, com certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há muita coisa viva em mim. Mas não, minha querida ! Você está toda viva! Somente você tem levado uma vida irracional, uma vida que não parece com você. Tania, não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso, nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como lhe explicar, querida irmã, minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perder o respeito de si mesma e o respeito de suas próprias necessidades, depois disso fica-se um pouco um trapo.Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar, e contar experiências minhas e de outros. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Eu mesma não queria contar a você como estou agora, porque achei inútil. Pretendia apenas lhe contar o meu novo caráter, ou falta de caráter, um mês antes de irmos para o Brasil, para você estar prevenida. Mas espero de tal forma que no navio ou avião que nos levar de volta eu me transforme instantaneamente na antiga que eu era, que talvez nem fosse necessário contar.
Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi ? assim fiquei eu...., em que pese a dura comparação....Para me adatar (sic) ao que era inadatável (sic), para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus guilhões, cortei em mim a força que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante.Espero que o navio que nos leve de volta, só a idéia de ver você e de retomar um pouco minha vida, que não era maravilhosa mas era uma vida, eu me transformei inteiramente. Mariazinha, mulher do Milton, um dia desses encheu-se de diferente, não era? Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora e disse: ou esta calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com uma lasidão de mulher de cinqüenta anos. Tudo isso você não vai ver nem sentir, queira Deus.
Não haveria nem necessidade de lhe dizer, então....Mas não pude deixar de querer lhe mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Minha irmãzinha, ouça meu conselho, ouça meu pedido: respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver. Eu tenho tanto medo de que aconteça com você o que aconteceu comigo, pois nós somos parecidas. Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia – será punida e irá para um inferno qualquer.
Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma moral amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber – pois somente saber de sua presença me transformaria e me daria vida e alegria. Isso seria uma lição para você. Ver o que pode suceder quando se pactuou com a comodidade de alma. Tenha coragem de se transformar, minha querida, de fazer o que você deseja – seja sair nos week-end, seja o que for. Me escreva sem a preocupação de falar coisas neutras – porque como poderíamos fazer bem uma a outra sem esse mínimo de sinceridade ?
Que o ano novo lhe traga todas as felicidades, minha querida. Receba um abraço de muita saudade, de enorme saudade de sua irmã

Clarice."

Disse a ela o quanto eu estava surpresa. Meus olhos só encheram de lágrimas. Ela falou a expressão que eu estava a ponto de falar e ali eu vi que a sintonia não é brincadeira
Ei, você, que puxa as cordinhas aí em cima, vem aqui me acalmar, me explicar que a vida é assim mesmo, que as coisas acontecem desse jeito meio desordenado e que eu posso continuar que o plano tá indo pro lugar certo.

Repeti tanto tudo o que tinha conversado com Lorena, com Jac e agora com ela, que me escutou, deu sua opinião, me falou do autor do livro que eu procurei hoje, que conversei com Jac ontem e que Lorena lia antes da sessão. Não é coincidência. Eles todos me dizendo um algo que não me desce, que me inquieta. O mesmo autor! Quatro pessoas, o mesmo autor!
Me arrepia e me dá esperanças saber que ele está nesse mesmo emaranhado de acontecimentos. Com ou sem insanidade, enquanto ele permanecer, escrevo.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

don't be like this

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todas as ideias parecem ter sumido e agora só vem a mensagem: fake fake fake. Santos meses intensivos que me fizeram perceber que o mais importante é fazer as coisas por si mesmo, e não esperar tanto a reação dos outros. Sim, os meses fizeram perceber.. porque é o tempo que corrige e conserta. Sabe-se lá quanto dura, ou se ele é justo conosco.
Depois de uma tempestade daquelas eu pude perceber o quão imporante é ter sabedoria. Isso não significa ser inteligente ou charlatão. Eu acredito que a sabedoria advém, em grande parte, da humildade e da sensibilidade. Pessoas sensíveis ao ponto de sentir o indizível e humildes o suficiente para admitir que possam estar erradas sem se ressentir, na minha opinião, são sábias.

E não é um estado de espírito. Pode ser que cá ou lá a gente esteja num estado retardado de esperteza e realmente faça muita merda por aí.. mas, no fundo, olhando pra dentro, o sentido existe. Eu sei que existe. E a belle também.

Leva uma vida luxuosa, com clientes que exigem pouco: sexo. Ela pede por isso porque não se esforça tanto, é algo que parte dela em direção ao outro naturalmente. Dá dinheiro, a auto estima quase sempre está elevada. Claro que existem os inconvenientes; e não se trata de dignidade, pois ela é muito bem resolvida com sua profissão. Acho que é algo muito bonito e grandioso pra ser entendido com as palavras.

Depois de tanto tempo, preciso voltar a dizer que odeio as palavras, mas mantenho um relacionamento fixo com elas. É um relacionamento aberto, na verdade. Elas sabem que não conseguem capturar tudo o que eu sinto e que nesse quesito, não me satisfazem. Em contraponto, também sabem que são as únicas que me ajudam a expressar algo que à distância só se resolve assim. Cara a cara com alguém, eu definitivamente dispensaria as palavras. O olhar bastaria.

Pois bem, o inconveniente da profissão de Belle deve ser o mesmo que acomete a todos que se prestem a pensar na existência como sábios. Não necessariamente o são, mas se já tentam o resultado gradualmente aparece. Ela percebe que é um trabalho simples, lógico. Pagamos, obtemos, nos satisfazemos. Outras pessoas, esposas de seus clientes por exemplo, discordariam dela. E é aí que o bicho pega, pois Belle acredita no amor. Gosta do melhor amigo, que é noivo e compreende a profissão da amiga, que também é ex namorada.

O que belle tenta me fazer entender é que tudo o que fazemos na vida tem um preço. Não necessariamente algo monetário, financeiro, concreto. Tem consequencias, por melhor dizer. As nossas ações aqui podem determinar um estilo de vida que sempre vai ter prós e contras, e a sabedoria disso tudo é saber disso. Redundancia, aí vou eu. É isso aí, é saber que existem bons e maus momentos e tentar lidar com eles. Aproveitar e valorizar os bons, mas não deixar os maus pra trás. Eles também precisam de um pódio, pois sem eles quem valorizaria um sorriso sincero?
Sábia, belle cria regras do seu mundo e estabelece prioridades que a atendam. E é aqui que eu queria chegar, caro leitor.

O que muitas vezes não sabemos é que grande parte dos relacionamentos acabam porque as pessoas criam expectativas demais com relação ao parceiro e comumente se deixam levar pelo que recebem. Parece contraditório, mas não é. Veja só, Márcia e Rômulo ficam há seis semanas. Ela quer um namoro sério, com compromisso, carinho e fidelidade. Ele, no fundo deseja isso, mas não sabe se está preparado para corresponder à tantas expectativas criadas por.. Márcia!
O medo, aqui, está em não preencher o formulário que ela criou antes mesmo de tentarem namorar e ir experimentando as sensações. O "pré" ocupa muito o ser humano e isso ferra as coisas. Não digo que nos livremos disso porque é impossível e em parte se preocupar até é útil, previne muita desgraça.

Mas ele não pode prender! sacou?

O próximo passo é que Márcia e Rômulo não se acertam muito porque Márcia percebeu que Rômulo está enrolando.. e por gostar muito mais dele do que dela própria, ela faz o que?
vou te dar uma chance de adivinhar que ela com certeza vai aceitar a situação e "ignorar" o fato de que não está satisfeita. Fará birra, doce, manha. Isso tudo por não conseguir se comunicar consigo mesma. é isso aí, a comunicação não falhou só com ele.

O que é mais importante pra Márcia agora é se sentir. se ouvir. se entender. Precisamos da vida inteira pra isso e olhe lá, mas o começo já é virtuoso. Não precisa chutar o Rômulo, mas adapar o que ele quer com o que ela quer. E se um dos dois estiver mal com isso, que sejam sábios o suficiente pra entender que não deu certo e que outra pessoa ali na esquina o espera. E não é a belle. é o destino.


você acredita nisso?

domingo, 13 de fevereiro de 2011

tempos insossos, paciência

as coisas mudaram de figura. só fico com uma coisinha na cabeça: até que ponto eu aguento ficar na transição? ou melhor, o que precisa acontecer pra que algo mais concreto apareça? quando eu sei que o que acontece não é fruto da minha imaginação? o que é a realidade? ela é única, absoluta, particular? como se faz isso tudo? Deus do céu, desaprendi?

o marasmo não chega a me incomodar.. só me inquieta saber que já foi diferente.
aceitar com sabedoria o que acontece e entender que as coisas acontecem quando e da forma que devem acontecer eu já aceitei, já entendi. só que.. e quando a gente QUER que aconteça de um jeito? vira birra contra o destino? será que não se tem autonomia pra decidir o próprio caminho?

já nem sei mais, tô entregando os pontos aos poucos, eu sinto. já não tem aquela graça toda.. que eu queria que tivesse ainda.

desabafo, acho que eu passei bastante tempo armazenando pensamentos, agora quero dar aquela esvaziada pra poder produzir alguma coisa útil com o que for regurgitado.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

dona flor?

já faz um tempo que eu nao escrevo. só penso, teço articulações, falo e assim me dei por satisfeita por um longo período. é bom dar um tempo de tudo pra que a saudade dê uma incomodada, e aí a gente volte com todo o gás e tenha a sensação gostosa de redescobrir algo tão banal.
há tempos que se tem como senso comum que a gente só dá valor quando perde, e no vocabulário psicanalítico isso se transforma em "o desejo advém da falta", o que de certa forma, é bom e ruim.
sofremos, perdemos, e o luto se instala. logo logo a gente supera, cada um tem seu tempo, mas um dia ele chega... a gente só precisa aceitar e levar a vida. considerando que a elaboração do luto tem tempo e duração particulares, não cabe estabelecer uma regra para sacar qualé que é a de sofrer tanto quando se perde algo.
realocar o desejo no início parece cruel, frio, desanimado. se o objeto antigo voltasse talvez houvesse a sua maior valorização, uma vez que em sua ausência, notamos sua significação no imaginário. e é aí que a coisa aumenta, no imaginário mesmo!
é a ilusão de que a coisa é maior do que realmente é. é sentir saudades de alguém que quando aparece se mostra tão ou menos importante do que achamos que fosse. é sentir vontade de comer um doce de morango e quando comemos, até apreciamos, mas logo ele perde a graça e queremos outra coisa. ou seja, elegemos outro objeto de desejo.
caros leitores, disso eu já sabia. mas será que só saber e entender, aplicar a tudo na vida basta?

canso eu de sentir saudades e me iludir com expecativas e pensamentos que são extremamente absurdos de tão disconectos da realidade.. e olha que eu sei disso, imagina se eu não soubesse.

não sei mais o que dizer.. senti sua falta, mas quando você fantasmagoricamente voltou, não era mais a mesma coisa. nem sei se eu queria que fosse a mesma coisa, mas ao menos queria que fosse melhor. e não tá sendo. então, vocês dois, caguem ou desocupem a moita. e me façam perceber isso.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

cospe esse fogo, dragão

Tomei a melhor decisão que me apareceu no momento. Opções:
lembrar
elaborar
esquecer
apagar (x)
Não sei mais viver sem usar alguma teoria como base que me ajude a organizar pensamentos e aí agir de uma forma coerente. Não sei mais. Estou afogada em um mundo que promete melhoras quando falamos do que machuca e confesso, quero resistir a isto. Passei por várias fases de elaboração desse luto e acho que me livrei bem de todas elas. Tá liberado o acesso, meu bem, pode investigar que os machucados que restaram são puramente derivados da experiência que tivemos, então cicatrizam rápido. Aos poucos vai se tornando entendível que na vida poucas são as coisas que duram muito e entre elas, estão as piores. Doenças, guerras e saudades duram demais quando utilizamos o parâmetro da consciência e desejo. Um orgasmo, um flerte e o delicioso sabor de uma carne duram pouco considerando que são tão bons, e que obviamente sempre vamos querer mais. O que valoriza a conquista do próximo orgasmo, do próximo flerte e da próxima mordida de carne é justamente a falta que isso nos faz. É como redescobrir a sensação de estar ali.
Porém, mesmo depois de admitir que apagando o que é visível ainda estará presente a lembrança do objeto, opto por resistir porque não aguento mais elaborar tanto.
Não quero apagar as lembranças, gosto delas, elas me fazem aprender. O que eu quero é fazer algo, agir de um jeito ou de outro pra te tirar das minhas fuças com essa cara de quem ainda não entendeu.

Engraçado ( e esta é a minha palavra pra simbolizar "olhem como os fatos tem correspondências"), mas hoje eu revi um vídeo de um psiquiatra que participou de uma edição de um reality show e me deparei com um questionamento maravilhoso (e esta é a palavra que eu utilizo pra expressar o que esta bosta de consciência me proporciona numa terça à tarde).

Com tanta consciência das coisas, técnicas apreendidas, teorias bem lidas e uma clareza assustadora no pensamento, como fazer para que estes atributos - que utilizados com pacientes resultam numa melhora significativa - possam ser aplicados à nós?

Resumo do caso: o psiquiatra se desequilibrou e se mostrou a pessoa menos sã da casa. Foi embora e ainda é lembrado como um homem inseguro que não conseguia levar a vida leve. Milan Kundera nos lembra que a vida faz sentido quando é tida como peso, pois aí é que nos importamos, quando ela toca no chão.

Fiquei pensando em como eu resolvo os meus problemas e confesso, quando uso o que aplico eu raramente faço alguma coisa grandiosa e admirável. Fica bonito conversar, ter calma e admitir erros. Quando eu me descontrolo, ouço o coração, faço coisas que na hora não fazem sentido, me sinto aliviada por - de fato - ter feito alguma coisa! Por ter reagido, por mais que a razão desconheça o motivo e as consequências disto. É como um escape da razão.

Te apaguei e não me arrependo. Talvez eu pense no que você pensará se perceber que não está mais tão visível assim, mas isso é algo natural, eu dependo do que os outros pensam mesmo, isso nunca é novidade, independente de quantas vezes eu redescubra. Te apaguei num portal e quero te apagar de muito mais pelo parco sofrimento que em alguns dias eu deixei aflorar em minha pele e devastar meu coração. Foi válido, mas isso não significa que eu admire você por ser o mínimo: homem. Coragem de colocar a cara a tapa, falar olho no olho, responder ao menos. Isso faltou e eu realmente espero que você aprenda um dia a valorizar o que tem por perto. Se eu fui demais pra sua cabeça chapada e danificada por tanta ingestão de merda, é uma pena. Demorou um pouco mas eu consegui entender o que significa a expressão "amor próprio". Pra muito além de se amar, existem outros sentimentos altamente relevantes na hora de amar alguém. Desde o respeito até a consideração que damos ao que nós mesmos falamos e sentimos.

Você não soube lidar com a bagunça, com a complexidade. Quem sabe? Mas quem foge? Você é um covarde.

Me parece que eu cuspi fogo, e que seja assim, fiz sem pensar duas vezes e me sinto muito bem.

Te apaguei e sei que apagar não faz esquecer, mas ajuda a não lembrar.
Se te encontrar, certamente o clima será amistoso e eu tenho absoluta certeza de que não guardo rancor, apenas enxergo claramente que o que eu quero você não tem capacidade pra oferecer. Pelo menos não agora, e se bem tivesse, não serviria mais. Quero mais, muito mais.

O psiquiatra não respondeu à sanidade, gritou bem alto o que era e não pareceu ter vergonha. É humano, erra mesmo. Nessa entrevista que vi hoje, ele finaliza dizendo: "se chorei ou se sofri, o importante é que emoções eu vivi"

Parafraseando o cara pôde dizer o que eu tanto acredito: como é bom sentir e não estar anestesiado pelas coisas que nos rodeiam. Como é bom sentir um cheiro, por mais desagradável que seja. Podemos identificá-lo e classificarmos como "cheiro indesejado".
Como é bom rir, chorar, sentir saudade, dor, êxtase, ficar com água na boca, sentir o ar faltar e a perna tremer. Isso significa estar vivo. E se eu precisei tirar a roupa no telhado e me fazer de volúvel no fundo do ônibus pra entender o é que estar viva após você negar o mínimo que é um carinho, que bom. Estive viva e pensei que estivesse morta. Ou vice versa; mas o que importa é que eu fiz alguma coisa, mais tarde, menos tarde.

Saí do entorpecente que você esfregou em meu rosto e que me fez dormir por três meses a fio.
Me libertei de uma prisão que de alguma forma ainda se mostra viva, que ainda traz lembranças e que ainda será assunto foco de discussões futuras. Mas a sensação de estar viva e de sentir uma listra de ódio por ter caído de otária e ao mesmo tempo sentir uma explosão de orgulho por ter aprendido já me deixa razoavelmente satisfeita.

Bem sabe o orkut que me diz que é impossível planejar o futuro pensando no passado. Meu futuro tá na minha porta, vou lá atender, imbecil.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

franco sem atirador

hoje eu to incrivelmente de bem com a agonia. deixa ela passar, tô nem aí.
assumi um controle de uma poltrona que eu jamais pensei ocupar. talvez por descrença, por ver que não é tão perfeito assim, eu tenha pisado na realidade. de alguma forma isso conforta. se ser leve faz flutuar, cria uma idealização que entorpece, mas estapeia. quando pesa, pisamos no concreto e aí fica tudo claro, nem tão bonito, mas limpo.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

yeah.. gonna make it better.

hoje eu quero falar, tá dando pirepaque no tico e no teco que querem papear até não poder mais hoje. quem sabe por ânimo já que as dores de cabeça vão acabar à espera de novos óculos, talvez por saber/supor que a companhia volta.
olha que gênio. tô apaixonada por esse livro, por essas linhas, que não traduzem o que eu penso, já que eu não me encaixo no exemplo primordial do livro, mas que fazem algo semelhante ao que um ancião faz com o aprendiz. ele encanta, ensina, mesmo que o conhecimento só venha quando não precisamos mais dele.

"aconselhar é mamão com mel. esquecer que você gostava mais de si quando rodeado é dose pra rinoceronte. a saudade é o subterfúgio, o cano de descarga. o ruim é saber se alivia ou amputa, se atalha ou enrosca, se arranca ou enraíza mais. lembrar fulano é como imaginar um filhotinho mimoso de gato persa sendo amarrado numa sacola de lixo escura, com nó de marinheiro e sendo jogado no oceano, além da área reservada aos tubarões brancos. alguém aí pra lhe abraçar? não, só eu aqui do outro lado, suspeitando seu lacrimejar."

diz que a saudade é algo do passado que se sente no presente, que ela é prova de que valeu à pena e de que naturalmente queremos repetir a dose. ela dá o gosto de uma relação ficar se renovando como um sistema de retroalimentação, numa tentativa de quebrar a rotina que poderia fragilizar os laços por um excesso desgastante de contato.
o desejo é descoberto e sentido pela falta, não é novidade. o que a gente não tem ao alcance das mãos provoca uma vontade de ter, talvez pelo homem ser movido pela sua curiosidade, pelo desejo de descobrir o novo.
ele foi e ja deu saudade. e é bom! pode ser bom.. mas agora, nesse instante, é bom.

cause i need more time just to make things right

eu não escolhi, eu juro, dessa vez eu fui pega de surpresa. e como chegar à esta conslusão é gostoso.. saber que alguma força agiu e conseguiu me fisgar de um jeito bacana, sem o meu controle. que bom isso! não é uma paixão doentia, tampouco uma indiferença.. posso dizer que se assemelha a ficar de olho, atenta, disponível.
Depois que Carlos partiu, Soraya chegou ao seguinte trevo: ou eu continuo fazendo do jeito que eu fiz e permaneço contendo lágrimas que deveriam sair ou resolvo mudar postura e daí, como diz platão, aprender. Ela soube desde o início que não seria algo duradouro, se colocou naquela poltrona da nave que parte para o infinito, sem nada definido. Foi e não se arrependeu, mas quando acabou a gasolina, Carlos surgiu com outra nave que estava acoplada sem que ela percebesse e se mandou, deixando ela no meio do espaço, sem formas rápidas de acabar com a ideia de nada que surgia e a sufocava. Era uma asfixia garantida: ela certamente encararia de frente o fantasma do buraco, do que ali faltou.
Foi pra terapia e descobriu muito desse tal buraco, esse que a gente tenta completar com compulsões, sejam elas quais forem.
A partir daí passou a valorizar a sua companhia. Deixou Carlos como referência e lembrará dele com ternura, mas não pode escapar de se sentir uma otária frente a algumas situações passadas.
Normal, se o passado fosse sempre agradável e digno de aprendizado, a gente não veria graça em tentar algo novo. O bom é sentir vergonha quando lembramos de um tombo, de nos arrependermos, de mantermos uma angústia pelo que foi ou não foi feito, pois assim permanece viva a ideia de que precisamos nos machucar um pouco pra não fazermos de novo. E olha que isso não é garantia.

Quando Soraya se deu por conta, já haviam outros figurões na parada.. ela sentiu que não queria se envolver com nenhum e disse 'não'. Simpático, porém certeiro 'não'. Ela sabia que não queria, só isso. O motivo, nem interessou. O importante é que ela soube se escutar.. e isso, caros leitores, é raro. Alguém que tenha sensibilidade e paciência suficientes para se escutar e fazer o que realmente precisa ser feito não é tarefa bonita. É árdua, porque nem sempre conseguimos descifrar nossos desejos, quem dirá realizá-los do nosso jeito. Soraya virou uma página, mas deixou marcada para poder voltar quando precisasse. E como precisou. Era um degrau de sua vida, se apagá-lo parece uma ideia confortadora, também condena a tropeçar numa nova subida.

Ela pôde dizer 'não' naquela noite e acabou descobrindo um universo de 'sim' em outra pessoa que nem era tão apariça assim. Não dá pra garantir que foi por acaso.. até porque uma atração já havia sido traçada e é óbvio que aquele primeiro olhar com um sorriso maldoso e chapado no canto da boca significam algo. Ela conseguiu ter paciência pra se descobrir, descobrir o outro, descobrir o 'entre'.

Está nessa e as vezes tem vontade de pular fora, mas aí ela se olha e pergunta: pular fora DO QUE? não estou nem dentro, são só pensamentos, hipóteses, riscos. Nada que fuja da eventual vida que vivemos todos os dias. Parece que espera algo grandioso acontecer quando na verdade já está acontecendo. O filme "poder além da vida" fala tanto disso. soc, brigada!

Soraya conversa com Paula e não consegue dizer como fazer pra se desprender.. é algo que faz parte da história dela, Paula não entenderia só por palavras. O negócio é ir e tentar, experimentar, pular, se jogar. É um risco que vale à pena. Cada segundo dos três meses, Carlos, foi uma página de aprendizado que hoje percebo ser indizível.

Gabito nunes confirmou o que Marcel rufo me disse outro dia: a gente só esquece um amor quando se vê noutro, meio que numa comparação do objeto ao qual destinamos o nosso afeto. Substituímos as pessoas que de alguma forma saem de cena. Podem continuar na peça em lembranças, podem continuar atrás das cortinas e fazer parte do elenco, mas a apresentação ao público já acabou, então há de se criar uma forma de lidar com o que não está mais ali. Substituímos os pais quando não estamos mais perto deles, por mais que nos falemos diariamente. Substituímos o melhor amigo quando nos distanciamos; por outro amigo, por comida, por namorada, por professor, por qualquer outra forma de investimento libidinal que tenha como destino um objeto. O objeto pouco importa, ele varia. O que realmente pode ser aproveitado é o que transita entre um e outro: o sentimento. Esse continua o mesmo e pode ser investido em qualquer um que se mostre como depositário.

O bom de estudar e se interessar por isso é que nós temos consciência de que esta substituição é necessária e que eventualmente ao fim de uma relação está dentro do "saudável" comer mais ou menos, correr mais ou menos, dormir mais ou menos, fazer algo excessivamente ou parar de fazer pelo simples fato de que estamos readaptando nossas vidas a outro molde de funcionamento. Pelo simples fato de que estamos preocurando compensar a angústia da separação com outra coisa que muitas vezes escapa à compreensão. O bom de estudar e se interessar por isso é que quando descobrimos o alvo da compulsão, não nos assusta mais. O que está encoberto é o que sentimos, e não por quem sentimos.

Sabendo o que sentimos e repetindo a pergunta do post anterior, o que fazer com isso?