terça-feira, 20 de outubro de 2009

chão de areia

Tenho algo com expectativas. Hoje escutei no rádio uma imitação da chamada que escutamos tão insistentemente em aeroportos. Este som me tráz algo gostoso de sentir. É uma sensação confortável, uma sinestesia que me cobre os fios de cabelo de entusiasmo e euforia. Partir e chegar são dois verbos que me acompanham desde o primeiro mês de vida.. talvez seja por isso que tenho em mim algo tão mutante. Na personalidade, na geografia, na aparência, nos sentimentos..não gosto de ser parada, não gosto de ficar parada. Outro dia li que devemos refletir sobre o início da vida...quando foi mesmo que comecei a viver? Será que ao mesmo tempo que comecei a existir? Existem frases em sites aos montes sobre isto, e a mais famosa, eu aposto que seja : ' tem gente que existe.. eu vivo'. Parando pra pensar, até que isso faz um sentido bem filosófico. Decartes nos deixou um legado extenso sobre a existência, pensamento, consciência. Se estou aqui agora digitando este texto, tenho garantia de que existo. É?
Mas existo em que mundo? No mesmo que o seu, que lê?
Não sei se todos vivemos em mundinhos diferentes; assim como todas as manhãs vejo cada passageiro no ônibus em seu mundinho ouvindo música, não tenho tanta certeza em dizer que estamos assim tão separados física e emocionalmente.
Resumidamente a psicose se instala de forma a psicólogos, psiquiatras e psicanalistas diagnosticarem um distanciamento da realidade por parte destes "loucos".
Foraclusão é o termo que a Psicanálise utiliza para definir- ou de alguma forma, elucidar- a condição que um portador de esquizofrenia, por exemplo, se encontra.
"bem fazem eles que sabem qual é o seu lugar, vivem em sua bolha e defendem isso! saem pelas ruas gritando, batendo o pé e lutando para que sejam respeitados e, em muitos casos, levados à razão"

Escutei isso de uma querida que sempre me encontra quando quero me soltar... às vezes, devo confessar, minha Consciência é liberal e diz uma coisa dessas. Quando isto acontece, corro para registrar: nunca se sabe.

Vivendo em mundinhos diferentes as pessoas não se comunicariam...se isto for verdade, já sabemos que vivemos em um só mundo. Cada um com seu jeito, deve-se admitir, mas ocupamos um espaço em comum. Viver aqui e acolá me remete à minha vida e isto cansa.. pensar sobre a própria vida como um todo, tentando resumí-la e encontrar respostas para as perguntas que fazem doer o crânio não é experiência tão acessível assim para quem não chegou à metade de um curso de Psicologia. Outro questionamento ( não cesso nunca, socorro!): precisamos passar por um processo de aprendizagem acadêmico para sabermos o que fazer da vida? Cara, sei lá.
Com um diploma numa mão, a coleção de obras completas do Freud na outra e o cartão do TRI no bolso eu não tenho certificação de que serei uma boa psicóloga. O que raios é ser uma boa psicóloga? mas que droga, já mudei de assunto de novo!

O que eu dizia é que escutei no rádio o barulhinho do aeroporto e me senti bem. Remeti esta sensação ao fato de gostar de mudança, de não gostar realmente de estacionar e assim estagnar. Gosto do movimento, dessa dinâmica:
Quando vou embarcar, tenho expectativas quanto ao que vou encontrar. Quando vou desembarcar, tenho expectativas quanto ao que vou encontrar também. Ou seja, expectativas eu crio o tempo todo e nestas duas situações especificamente. Gosto de expectativas, quando elas não me iludem. Existe isso?

peço licença para reler o livro sobre existencialismo da coleção pocket. a coisa vai ficando séria.

domingo, 18 de outubro de 2009

O que faremos de nós*

Sabina sentou para descansar as pernas. Em frente aos seus cabelos mal arrumados, mas cheirosos, sentiu a imensidão. Livros, livros, livros. Todos com capas coloridas, tamanhos e grossuras atraentes e cheiros que, segundo ela, não diziam muito sobre a história. Para mim o usado serve. Prefiro o que já foi lido, perpassado por outras mentes inquietas e folheado por dedos que compõe um corpo, algo real.

Fechou os olhos, numa tentativa vã de apaziguar as diversas vozes que gritavam de dentro daqueles livros mal amados, nunca apreciados em sua verdadeira essência. Aos poucos, a imagem de seus conhecidos - que no cômodo ao lado tomavam café e falavam de podres do passado - desapareciam como a cena em que Joel vê os objetos à sua volta sumir (pluft) como mágica, em Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças. Sabina apagava as pessoas, sons e objetos que a rodeavam e tentava se concentrar no escuro que seus olhos fechados a deixavam ver. Deparou-se com uma lentidão em sua corrente sanguínea, um deslocamento breve de ar para os pulmões e algumas partes de seu corpo latejando. E só. A paz espiritual que ela esperava sentir ficou suspensa, como a cenoura que o cavalo nunca pega, como o objeto descrito por Lacan, como aquilo que se quer, mas não se alcança.

Olhava para cada título com a esperança de que lhe dissessem algo. Eles diziam, ela que não escutava. Refletindo, Sabina esboçou um movimento para pegar um livro laranja, com título "1968: o que fizemos de nós"*, mas pensou e logo disse em voz alta: Você não merece que eu te pegue e te leia. Este momento implica numa reflexão acerca de um livro que possa ser interessante, e você pode não me dizer nada.

Um espanto tomou conta de seu corpo e ela repassou as palavras. Ela não falava apenas de livros. Sabina falava de pessoas. Não era novidade que ela considerasse os livros suas melhores companhias, mas atribuir à eles a humanização seria demais. Ela falava exatamente do que pensa sobre si: passa muito tempo da vida observando, analisando, esperando. Encontra uma opção. Esboça um movimento para pegá-lo, e às vezes pega! às vezes Sabina se envolve! Se deixa levar e por incrível que pareça, gosta disso.
Ela gosta disso até perceber aonde está e, por algum motivo que ainda não consegui entender, ela solta o livro, desdém e se desvencilha. Não quer mais se prender e pensa que está certa, pois reduzir sua presença ( e leitura) à um único livro seria muita perda de tempo. Sua vida está passando e ela quer saber de tudo.
Esta, caros colegas, é a armadilha em que ela cai sempre. Sabina quer saber de tudo e, sabendo que isto não é possível, fica inerte e não se esforça para saber de nada.
Faz um tempo consideravelmente longo que Sabina evita relações melindrosas. Ela sabe o que deve fazer, sabe que fará bem para si mergulhar na piscina de gelinhos com refresco de limão, mas ela não vai. E, taxativa, ela permanece fincada à terra, pousando sobre sonhos mal dormidos seus desejos que explicitam as relações de poder.

Sabina..Sabina.. escute-me, aqui quem escreve é sua consciência.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

We were fated to pretend

"(...)não existe demanda espontânea e natural, nem universal, nem eterna, mas pelo contrário, ela é produzida pela oferta". Pg 95.

Eu tenho pensado em escrever sobre isto há alguns dias, mas tenho também pensado em fazer outras diversas coisas que, juntas, não me deixam fazer nada. É tanto compromisso que eu me sufoco e me inutilizo. E digo que eu faço isto porque eu me ponho em uma posição de manter a relação com tudo e todos que, reciprocamente, assumem um compromisso. Fica prolixo demais? É apenas a tentativa de mostrar que se algo nos incomoda, parte da culpa é nossa, por deixar isto nos incomodar e mais: por ter criado isto. Não vou dizer que o aquecimento global foi criado só por mim, porque ele me incomoda, mas afirmo que parte da culpa é minha. A crise da economia também foi, em parte, culpa minha. Indiretamente, tudo o que acontece no Universo foi culpa minha. E haja senso autocrítico para entender isto e não se deprimir com mais um urso polar que morre por não ter o que comer.
Voltando ao que reconheço como tarefa (e não excluindo a possibilidade de que falar sobre as incomodações faça parte da tarefa), penso constantemente na MINHA demanda. Sei lá se o Lacan ou se o Guatarri criaram a demanda como sua ou minha, mas o fato é que eu estou falando disso agora com propriedade, então.. sim, é a minha demanda que me faz pensar agora.
Imaginem esta cena: um rapaz de estatura mediana, com os cabelos ondulados e claros e razoavelmente curtos, na atura das orelhas, vestido com um jeans e um moletom olha para o nada. Uns colegas chegam perto dele e um sorriso em sua face agora nós percebemos. É um sorriso leve, daqueles bem bobões, na categoria dos apaixonados até os chapados. Começam uma conversa e logo o rapaz se perde meio a gargalhadas.
Agora vejamos outra cena: um outro rapaz, alto e magro, de cabelos pretos e em pé em frente à um aparelho de som que toca, intencionalmente, Wraith Pined to the Mist. Ele se balança um pouco, bate um pé no chão e segura uma cerveja geladérrima ora com a ponta dos dedos da mão direita, ora repassa para a outra. Olha atentamente em volta as pessoas que estão curtindo o mesmo som e de repente avista uma colega que não vê há algumas horas. Em direção à ela, ele se mostra intencionado a conversar.

Não é querendo fazer uma análise de duas possibilidades -que são mais realidades, mas isto fica pra outra hora-, mas já fazendo isto, dá pra notar que o primeiro rapaz, que chamo de Paulo, estava mais na dele, mais 'neutro', e foi encontrado para que, em sua tábula rasa as pessoas depositassem seus blábláblá's. Não desconsidero, de forma alguma, que Paulo pensasse em algo importante antes de ser abordado, mas vamos visualizar este momento da chegada de seus colegas como o momento da ação. Antes da ação, tínhamos a inércia, o vazio, uma tábula rasa. Generalizo, claro, para tornar mais clara a minha análise.

No segundo caso, Frederico vai em direção à Roberta para travarem uma conversa e nele já visualizamos a intenção, a ação e a demanda. BINGO! Aqui eu vejo o oposto daquela tábula rasa que agora enrola uma seda do outro lado do pátio. Percebam, Frederico demandou e Paulo não.

Agora que cheguei aonde precisava, torno a vestir a capa de protagonista e penso que na real mesmo eu não sei é de nada. Eu só sinto. Aliás, eu nem sei se posso dizer que sinto.. quem sou eu pra entender toda a abstração de um sorriso, por exemplo? Sem mais firulas, eu abSINTO, pode ser?
E aqui trago mais uma metáfora psicanalíticalcoólica para que enxerguemos bem a minha capacidade (e a sua também, não adianta colocar o corpo fora) de dominar as coisas. Eu demando, como eu dizia, assim como Frederico. Não sei ser tábula rasa, não sei não pensar em nada, não sei como enxergar alguém e não ir em sua direção. Belchior(e aqui parece que eu mudo de saco pra mala, mas no fim vemos que todos falam da mesma coisa) bem disse: "O meu lugar é onde você quer que ele seja; não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja; arco-íris, anjo rebelde, eu quero o corpo; tenho pressa de viver".

Ok, já admito que demando e o entendimento por trás disso é muito extenso, não tenho substrato suficiente ainda.. porém, pensando no primeiro verso, em que a demanda é gerada pela oferta, me pergunto: e de quem parte a oferta? é tão determinante assim: vem de alguém para alguém pretendendo algo? E o acaso, existe?
aaaaaaaah, raios. uma fatia de queijo minas e um copo de leite me tiraram dos trilhos, recomeço em outra primavera, colega.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

"e agora, o que eu faço com tudo isso que eu sei?"

Caros colegas, antes de iniciarmos a reflexão de hoje, digo que o dia está bom e que o episódio anterior foi puro desabafo digno de uma tentativa de visibilidade. Para confirmar e reforçar o que tentei esboçar, recorto um trecho do texto 'a libido do psicanalista', de Daniel Kupermann. Ao esboçar a introdução ao que se diz Diário Clínico, o autor traz a perspectiva de Sándor Ferenczi, psicanalista húngaro que, segundo a Wikipédia, foi um dos colaboradores mais íntimos de Freud, então, pshiuuu, ele merece um tiquinho de respeito. Sobre o psicanalista, há a questão da distância que se tem, na prática da análise, do analisando. Traduzindo em suas próprias palavras: "(...) a insensibilidade do analista entendida como uma forma de hipocrisia, uma recusa, por parte do psicanalista, dos próprios afetos de amor e, sobretudo, de ódio, suscitados nas análises. Convém notar que a noção de sensibilidade, oriunda do campo da estética, é empregada por Ferenczi no seu sentido rigoroso como a capacidade de afetar e de ser afetado pelo outro, e não no sentido coloquial, que poderia nos remeter às idéias de plácida benevolência ou de compreensão ilimitada e passiva etc., que foram apressadamente associadas a sua figura. A insensibilidade ou a hipocrisia é, assim, a principal figura do álibi passível de ser empregado pelos analistas para escapar das duras conseqüências do ato analítico."

Firulas à parte, posso começar o que desejo hoje.
Meio à um almoço gastronomicamente aceitável para quem paga tão pouco dinheiro, escutei as seguintes palavras: 'a ignorância tem um porquê'.
Pensei.. pensei.. pensei e constatei que não sou ignorante quanto à isso. E que pena, às vezes gostaria de ser. Pra quem sabe, o cuidado é mais do que necessário, uma vez que se tem instrumentos nas mãos para driblar os obstáculos, bem como para se enforcar.
Repensando alguns anos atrás, eu andava na rua e meu universo era puramente local, focal. Aqui e agora. No máximo, pensava nos próximos minutos.
Hoje, penso no ontem, no agora como reprodução do ontem e no amanhã como dependente (ou não) do agora. À isso acrescentamos uma xícara de psicologia social com suas bagagens subjetivadoras, duas colheres de desenvolvimento humano e as incógnitas filosóficas da tábula rasa e do inatismo, alternando pinceladas da teoria construtivista. Quando a mistura borbulhar, leve ao fogo e acrescente uma pitada de psicanálise, pra mudar todo o gosto da gororoba. Uma pitada, eu ressalto, pois este tempero é forte e mesmo que se queira uma receita autêntica, é necessário dosar o quanto quer se queimar.
Depois de pronto, recalque, ops, digo, congele e sirva em muitas e intermináveis porções dos nossos atos falhos.

Imagina se colocássemos no liquidificador! Pois é bem assim que uma mente funciona. O que já tive, o que tenho e o que posso ter. Steven Pinker à parte, mas do que é feito o pensamento eu já descobri há tempos.. o problema é saber o que fazer com tudo isso que sei.

Castração, perversão, mediação simbólica, representações sociais, ética, niilismo, impostura, medos básicos, melancolia e instituição. Eu dava tudo isso aí e mais um kit de Obras Completas por um minuto de 'limpeza mental'. Sem Psicologia, sem ciência, sem essas coisas todas que me tiram da alienação.
Aham, é, peço ser ignorante por um minuto e respirar um pouco. Como não estamos no setting de Crônicas de Nárnia nem de Click, me conformo com 'a libido do psicanalista', ou 'álibi do psicanalista' e completo meu diário de campo.

é, senhores.. o que seria de nossos rabiscos vividos se não tivéssemos tantas estruturas pensantes?
cansei, durmo porque quando estou no inconsciente: [mode on], não sou responsável pelo que acontece. ufa, e eu achando que o impasse era em saber o que se faz com a tarefa do grupo quando se entende porque o medo aparece sempre e a procrastinação toma conta da galera.