domingo, 18 de outubro de 2009

O que faremos de nós*

Sabina sentou para descansar as pernas. Em frente aos seus cabelos mal arrumados, mas cheirosos, sentiu a imensidão. Livros, livros, livros. Todos com capas coloridas, tamanhos e grossuras atraentes e cheiros que, segundo ela, não diziam muito sobre a história. Para mim o usado serve. Prefiro o que já foi lido, perpassado por outras mentes inquietas e folheado por dedos que compõe um corpo, algo real.

Fechou os olhos, numa tentativa vã de apaziguar as diversas vozes que gritavam de dentro daqueles livros mal amados, nunca apreciados em sua verdadeira essência. Aos poucos, a imagem de seus conhecidos - que no cômodo ao lado tomavam café e falavam de podres do passado - desapareciam como a cena em que Joel vê os objetos à sua volta sumir (pluft) como mágica, em Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças. Sabina apagava as pessoas, sons e objetos que a rodeavam e tentava se concentrar no escuro que seus olhos fechados a deixavam ver. Deparou-se com uma lentidão em sua corrente sanguínea, um deslocamento breve de ar para os pulmões e algumas partes de seu corpo latejando. E só. A paz espiritual que ela esperava sentir ficou suspensa, como a cenoura que o cavalo nunca pega, como o objeto descrito por Lacan, como aquilo que se quer, mas não se alcança.

Olhava para cada título com a esperança de que lhe dissessem algo. Eles diziam, ela que não escutava. Refletindo, Sabina esboçou um movimento para pegar um livro laranja, com título "1968: o que fizemos de nós"*, mas pensou e logo disse em voz alta: Você não merece que eu te pegue e te leia. Este momento implica numa reflexão acerca de um livro que possa ser interessante, e você pode não me dizer nada.

Um espanto tomou conta de seu corpo e ela repassou as palavras. Ela não falava apenas de livros. Sabina falava de pessoas. Não era novidade que ela considerasse os livros suas melhores companhias, mas atribuir à eles a humanização seria demais. Ela falava exatamente do que pensa sobre si: passa muito tempo da vida observando, analisando, esperando. Encontra uma opção. Esboça um movimento para pegá-lo, e às vezes pega! às vezes Sabina se envolve! Se deixa levar e por incrível que pareça, gosta disso.
Ela gosta disso até perceber aonde está e, por algum motivo que ainda não consegui entender, ela solta o livro, desdém e se desvencilha. Não quer mais se prender e pensa que está certa, pois reduzir sua presença ( e leitura) à um único livro seria muita perda de tempo. Sua vida está passando e ela quer saber de tudo.
Esta, caros colegas, é a armadilha em que ela cai sempre. Sabina quer saber de tudo e, sabendo que isto não é possível, fica inerte e não se esforça para saber de nada.
Faz um tempo consideravelmente longo que Sabina evita relações melindrosas. Ela sabe o que deve fazer, sabe que fará bem para si mergulhar na piscina de gelinhos com refresco de limão, mas ela não vai. E, taxativa, ela permanece fincada à terra, pousando sobre sonhos mal dormidos seus desejos que explicitam as relações de poder.

Sabina..Sabina.. escute-me, aqui quem escreve é sua consciência.

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