sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Correspondências. Até os títulos, até os títulos.

"é essa coisa de começo.. de começar alguma coisa. um estágio, que a gente já entra no meio do ritmo, na sessão, que eu tenho que buscar um assunto.. é meio complicado isso de começo pra mim eu acho."
"por que você acha que fica difícil começar?"
"sabe aquela coisa de lidar com o desconhecido? a gente lida, é natural, eu tô aprendendo isso e foi bom ter vivido tudo aquilo ano passado pra descobrir como eu encaro o meu desconhecido.. mas não é como se pra sempre eu conseguisse, naturalmente, começar alguma coisa sem uma pitada generosa de insegurança".

De começar o post nada seria mais oportuno. Hoje aconteceu muita coisa e nos últimos dias meus pensamentos, leituras e conversas tem sido guiados pro mesmo ramo de assuntos. Assusta, mas eu tô entendendo, eu sei que não é coincidência, eu sei que não é. Não pode ser.. é lógico e surreal demais pra ser um mero acaso.
E é justamente disso que eu falo, dessa forma de enxergar os acontecimentos: quem articula e puxa as cordas? será que tem alguém ali? quem será, quem será?

Dá pra pensar que quando a gente passa por alguma situação que nos cobra um tempo a mais de reflexão, os próximos eventos estejam envolvidos porque nós vemos dessa forma. É o viés daqui, dos meus olhos, pro mundo que me oferece uma série de possibilidades de interpretação.
Há dias que eu me queixo que o portal me diz a mesma coisa: 'todas as certezas são mutáveis, não se espante se as suas definições borrarem.'
Sempre assim, já desconfiava dessa repetição. Pois me surge a volta de algo que realmente estava me faltando, fosse a escrita, fosse a presença. Ao trazer isso em sessão, percebo que esse ânimo é muito derivado da minha própria forma de enxergar o mundo.

"Quando a gente tá seguro de si, olha pra frente de outro jeito.. vê as pessoas com outras caras e outros conteúdos pra aproveitar. É como se o flerte fosse mais divertido, é gostoso andar na rua e sentir que estão te olhando. E é tudo uma questão de saber se posicionar, de sentir. É algo indizível, Lorena, algo que a gente sente.. só transparece".

E assim foi. dá-lhe auto-estima recuperada depois de um turbilhão de absorsões tensas.

Voltando ao habitual rito que de alguma forma me alimenta o êxtase, percebemos que os relacionamentos partem, pra além da atração, de um egocentrismo declarado e insano, cá entre nós. Vemos ali no outro um mundo de possibilidades, várias vagas pra estacionar. Escolhemos aquelas que nos agradam e é aí que se forma a mais bonita e complexa projeção de todas - se é que existe uma variedade delas. Amamos no outro o que nos lembra, e isso tem explicações razoáveis, visto que as qualidades que nos atraem no outro são, já de alguma forma, escolhidas por nós. Os defeitos é que nos põe à prova; e pra mim, sempre foi mais verdadeiro apaixonar-se pelo peculiar.

Falamos também de tantas outras coisas leitor, que você não pode imaginar a minha felicidade em saber que tudo isso foi repetido hoje, de uma forma sensacional.

Quando eu voltei a ler o livro da libanesa, percebi no capítulo o risco de um trecho que muito me agradou. Nessa parte ela contava de coincidências.

"Quando conheci o Pensador, o fogo crepitou e me queimou durante um tempo, principalmente após sua partida. Teria sido esse o preço que eu tinha de pagar pela viagem de reconhecimento que vivi com ele? Teria sido esse o preço que tinha de pagar antes de voltar à vida? Antes que outros Pensadores viessem, para que eu pudesse continuar a ter minhas descobertas".

Foi isso aí, já nem sei mais como eu acrescento coisas, me dá um nervoso não conseguir entender porque as coisas estão acontecendo com tanta sincronia. Eu fico feliz, muito feliz, eufórica. Mas dá um medo. Do desconhecido talvez, né Lorena?

Com ela eu falei hoje desse limite que eu estabeleci nos últimos meses. O meu desenvolvimento pessoal, a minha singularidade, o meu território. Eu sei que o chamei de imbecil tempo atrás, mas não nego, ele é mesmo. O que acrescento é que a presença de alguém como ele, que pudesse escancarar as minhas fragilidades foi muito importante pra que esse processo de conhecimento e aceitação acontecesse.
"Mas o importante é pensar que não foi ele né? Podia ter sido qualquer outro, que como ele, abriu essas portas e te mostrou o que você não conseguia ou não queria ver. "

"E quando ele fez isso é óbvio que bateu a antipatia. Normal que a gente desgoste de quem nos esfrega um problema, mas eu entendo que eu sentiria isso por qualquer pessoa que estivesse no lugar dele.. é um treino porque com os próximos o meu comportamento e posicionamento mudaram".

E sabe o que é o melhor disso? É saber disso. É estar consciente de que deu pra mudar, deu pra entender. Disse pra ela que eu já não queria mais tanta pressa e promiscuidade assim, de mão beijada. Disse também que o fato agora não é ser difícil, é valorizar. É saber que eu mereço alguém que demonstre. E ela concordou, brilharam aqueles olhos tão cheios de paciência em tanto me ouvir.
Acho que existe um esquema bom pra isso. Antes de mostrar o esquema, falamos do filme da bailarina, que encara o "lago" negro. Por um ato falho eu pude falar dessas falhas que nos constituem. Já volto neste ponto*

O esquema, Lorena, são duas circunferências que tem um espaço em comum. A intersecção é o que, numa relação, se constrói de "nosso". Mas existem as partes individuais, que pra mim são essenciais e nunca podem ser aniquiladas, por maior que o amor seja. Pra saber como fazer o "nosso", eu preciso antes construir o meu "eu".

Os olhos dela brilhavam e ela balançava a cabeça demonstrando total concordância, orgulho até.

" E sabe de uma coisa? eu tô adorando esse meu espaço. Eu sei que já falei aqui daquele vazio que me incomoda, da solidão após um período de tanta fusão.. mas quem não sente? e não só por isso, mas eu sei que no momento em que eu cair, eu vou poder aprender. isso me basta"

Foi o que disse à ela. Eu gosto, eu quero, eu desejo. Jac, eu gosto, eu quero, eu desejo. Eu sinto que podemos construir um "nosso". Era isso que faltava antes, no ano passado. Não tinha a intersecção, estava eu na defensiva. Tanto tanto. Mas com Jac.. será que dá pra fazer um "nosso" no capricho pra viagem? Pago à vista! Eu gosto do nosso jeito, da nossa conversa, desejo aquele primeiro olhar.
"Eu quero conhecer aquele mundo, Lorena.. quero explorar esse desconhecido, quero realmente relacionar, envolver, criar".

Mas

Mas com cautela. Já me joguei, vi que sem gostar de alguém antes, o beijo já não vale, o sexo tampouco e a química é essencial. Tem que ter gostinho de conquista, de vitória, de roubo de olhares e intimidades que se fazem através do tempo. Só dele. Eu quero ir, Lorena. Eu vou, mas vou com o meu espaço da circunferência bem delimitado. Eu sou mais importante.

Quando ela falou do filme do cisne comigo, percebemos a importância dessa identidade. Título que me deu vontade de engolir em todas as livrarias, tão falado, tão falado. Não é coincidência. Eu sinto que não é.

Hoje encontrei uma amiga que, numa sintonia louca e que ainda me deixa atônita, me deu um conto a ler. Vou fazer o maior post da vida, mas hoje merece tudo.

"Por não estarem distraídos"
Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Foi o que eu precisava ler. Ela me deu, ali, pra ler.

E aí falamos da minha relação com as palavras. Que eu também falei com Lorena mais cedo. Nomear, definir, limitar, perder. Nada mais. é isso, não se sente mais?

Depois de ter dito que era exatamente isso, abrimos a fotobiografia da Clarice e vimos algumas coisas. Fechou. Logo ela ficou inquieta e eu me dirigi até ela, sem que ela me chamasse. Senti que devia sentar ali. Ao que ela me diz:

"Vi, eu ia te chamar pra ver uma coisa do livro, mas nao lembrava a pagina.. aí abri o livro e foi nessa, era isso que eu ia te mostrar, foi na mesma pagina! Olha. Lê isso"

Aí ela senta ao meu lado e lemos juntas o que tantas vezes eu tirei trechos e não sabia a origem. É tudo o que em outra vida eu sussurei nos ouvidos da Clarice, tenho certeza disso.

"
A Tania Kaufmann


Berna, 6 janeiro 1948


Minha florzinha,

Recebi sua carta desse estranho Bucsky, datada de 30 de dezembro. Como fiquei contente, minha irmãzinha, com certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há muita coisa viva em mim. Mas não, minha querida ! Você está toda viva! Somente você tem levado uma vida irracional, uma vida que não parece com você. Tania, não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso, nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como lhe explicar, querida irmã, minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perder o respeito de si mesma e o respeito de suas próprias necessidades, depois disso fica-se um pouco um trapo.Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar, e contar experiências minhas e de outros. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Eu mesma não queria contar a você como estou agora, porque achei inútil. Pretendia apenas lhe contar o meu novo caráter, ou falta de caráter, um mês antes de irmos para o Brasil, para você estar prevenida. Mas espero de tal forma que no navio ou avião que nos levar de volta eu me transforme instantaneamente na antiga que eu era, que talvez nem fosse necessário contar.
Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi ? assim fiquei eu...., em que pese a dura comparação....Para me adatar (sic) ao que era inadatável (sic), para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus guilhões, cortei em mim a força que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante.Espero que o navio que nos leve de volta, só a idéia de ver você e de retomar um pouco minha vida, que não era maravilhosa mas era uma vida, eu me transformei inteiramente. Mariazinha, mulher do Milton, um dia desses encheu-se de diferente, não era? Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora e disse: ou esta calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com uma lasidão de mulher de cinqüenta anos. Tudo isso você não vai ver nem sentir, queira Deus.
Não haveria nem necessidade de lhe dizer, então....Mas não pude deixar de querer lhe mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Minha irmãzinha, ouça meu conselho, ouça meu pedido: respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver. Eu tenho tanto medo de que aconteça com você o que aconteceu comigo, pois nós somos parecidas. Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia – será punida e irá para um inferno qualquer.
Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma moral amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber – pois somente saber de sua presença me transformaria e me daria vida e alegria. Isso seria uma lição para você. Ver o que pode suceder quando se pactuou com a comodidade de alma. Tenha coragem de se transformar, minha querida, de fazer o que você deseja – seja sair nos week-end, seja o que for. Me escreva sem a preocupação de falar coisas neutras – porque como poderíamos fazer bem uma a outra sem esse mínimo de sinceridade ?
Que o ano novo lhe traga todas as felicidades, minha querida. Receba um abraço de muita saudade, de enorme saudade de sua irmã

Clarice."

Disse a ela o quanto eu estava surpresa. Meus olhos só encheram de lágrimas. Ela falou a expressão que eu estava a ponto de falar e ali eu vi que a sintonia não é brincadeira
Ei, você, que puxa as cordinhas aí em cima, vem aqui me acalmar, me explicar que a vida é assim mesmo, que as coisas acontecem desse jeito meio desordenado e que eu posso continuar que o plano tá indo pro lugar certo.

Repeti tanto tudo o que tinha conversado com Lorena, com Jac e agora com ela, que me escutou, deu sua opinião, me falou do autor do livro que eu procurei hoje, que conversei com Jac ontem e que Lorena lia antes da sessão. Não é coincidência. Eles todos me dizendo um algo que não me desce, que me inquieta. O mesmo autor! Quatro pessoas, o mesmo autor!
Me arrepia e me dá esperanças saber que ele está nesse mesmo emaranhado de acontecimentos. Com ou sem insanidade, enquanto ele permanecer, escrevo.

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