sábado, 25 de dezembro de 2010

concebendo conflitos

Hoje ele a cortou de todas as formas. Repreensão, olhares opressores, palavras secas e brincadeiras que declaravam explicitamente quem mandava ali. Obviamente, espera-se postura e autoridade de um pai, mas quando a ruptura é tão gritante há espaço para lágrimas e sensação de abandono. Marcel Rufo tanto me explica nesses últimos dias.. me diz que esta sensação é tida como natural, uma vez que toda separação machuca, porque estamos saindo de uma situação que até então nos proporcionava certo conforto. Pichón Riviere, quando elucida sua teoria acerca da técnica grupal, conta que o medo da perda é sentido pelos integrantes do grupo frente a resistência à mudança; este movimento representa o medo que temos de sair de situações em que já conseguimos estabelecer estratégias para lidar com o que nos angustia. Autores a mais e a menos, Carla se sentiu podada durante o dia, mas procurou aliviar, distrair, relevar. Não veio só de um lado.. parece que estar com pessoas em volta nos traz a sensação de acomodação, alianças, afetividade; em contraponto, perdemos nossa privacidade em sentidos amplos e importantes. Se digitamos rápido no computador, isso é irritante; se dormimos demais, somos preguiçosos; se dormimos de menos, somos ansiosos crônicos; se não comemos gordura, somos neuróticos; se comemos demais, somos sem noção. Sempre há uma falha, disso todos sabemos.. mas até que ponto o outro pode apontá-la incessantemente?

Tadeu foi muito claro nesta última cena: Carla brincava com o cachorro que corria pela casa. Outras pessoas assistiam a um programa na televisão. Carla não grita nem corre, só vai atrás do cachorro, mas parece que isso já provoca a incomodação de Tadeu. Ele cerra ela com os olhos e fala palavras secas, como se ordenasse algo. Ela sai de perto e sente o extremo oposto do que seria sentir-se acolhida. Começa a pensar e nisso se recorda que a idealização que criamos das pessoas que se relacionam conosco é em parte constitutiva, em parte prejudicial. Sabemos que sonhar é saudável e que muitas vezes alimentar um sonho exercita nossa capacidade imaginativa, desenvolvendo a habilidade de resolver problemas hipotéticos e a criar diferentes formas de se lidar com alguma situação.

Pausa. Retorno.

Construir a imagem de uma mãe suficientemente boa e um pai protetor requer uma idealização quase romântica para que criemos uma suposta proteção e segurança, um apego seguro. Falhas enxergamos no caminho, essas imagens ideais vão se tornando transparentes e fissuradas, até que saibamos adaptar a idealização à realidade. Pergunto-me como isso acontece, mas não de filho pra pai, e sim de homem para mulher. Me ocorre que Carla nutre um sentimento de idealização forte pelo pai, e que aos poucos enxerga que ele não corresponde à imagem que ela criara em seu universo particular. Cada pequena ruptura a machuca um pouco, é como se sofresse de uma desilusão amorosa; porém, de cura mais rápida e consciente. É como se cada luto fosse facilmente elaborado. Entretanto, quando se trata de Hugo, Carla percebe que nunca montou uma imagem bonita sua, algo que realmente a fizesse admirar sua presença, tampouco sua ausência. Era como uma forma de bolo vazia, ali caberia qualquer coisa, havia disponibilidade para isso. Opa, calma aí, Nem tanta disponibilidade assim.. ele já tinha cortado os naipes dela desde o início e ela continuou, por vontade de experimentar-se. Desde então, ela falava e repetia que ele tinha defeitos e que ela enxergava finitude naquele envolvimento. O que nos leva, então, à agonia de separação mesmo quando não criamos a tal sensação do apego seguro? Se com ele Carla não estava "segura", tampouco acolhida, por que sentiu-se abandonada?

Talvez a suposta resposta para esta pergunta resida no fato de que Carla não localizava em Hugo o homem que a preencheria, simbolicamente. Talvez tenha ficado tão restrito ao corpo que na alma nada se inscreveu dele. Talvez do que ele representara naquele momento, daí a sensação de abandono, por alguém ter abandonado, mas não especificamente Hugo.

Mudando de foco, uma vez que há desejo de sobra para que este assunto seja encerrado, Marisa se percebe repetindo os comportamentos de Carla em outras situações. Ela conheceu um rapaz que a atrai, de alguma forma misteriosa e divertida de se explorar. Ela sabia da idealização inicial; a pessoa não possui defeitos, ou pelo menos não os escancara. Ela até enumera algumas coisas que não gosta nele para que não caia de amores logo ( e aí recorro à paixão pelo que é perfeito. Se um homem é perfeito demais no início nos apaixonamos? por que muitas procuram defeitos? queremos destruir a possibilidade de que ele ocupe a posição do pai que até então era o perfeito? isso é freudiano demais? estou enlouquecendo?). Penso novamente que Carla e Marisa tem esta caractéristica em comum: querem ver defeitos para que a realidade seja posta na mesa. Mas.. será que não vale a pena nutrir a fantasia por um tempo?
E este novo rapaz, que - em sintonia - faz Marisa repensar em muitas coisas, tem a intenção de passar a imagem da perfeição?

Muitas perguntas, muitas divagações.. não quero encontrar respostas, isso limitaria e traria à tona justamente o que a minha natureza neurótica nao suporta sem sessões contínuas de análise. De férias, haja mencanismos de defesa!

A pausa se deu porque Tadeu pediu desculpas à Carla, disse - entre outras coisas - que quando estamos com outras pessoas devemos respeitar as vontades alheias também, muitas vezes abafando as nossas. Mais? Mais, Tadeu?
Ele disse que ela não o desapontasse, que não fosse grosseira e que ele a amava. Novamente, constrói-se uma ponte de idealizações e promessas divinas, laços que parecem inquebráveis.
É tudo lindo, saudável pelo perdão e consciência, mas será que Carla consegue continuar nutrindo esta imagem que tem de Tadeu? Será que de todas essas pontes, laços e imagens, nada foi quebrado ao ponto de não haver possibilidade de remendo?

E se não há como remendar.. como atravessar a ponte? Se atravessa a ponte?

Preciso de filmes, livros e tudo o mais que enriquecer esta discussão transposta da família ao mundo sem proteções e escudos.

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